Responsabilidade social e sustentabilidade: o exemplo poderá vir do setor público?

Na responsabilidade social empresarial, o caráter de autorregulação foi a chave do sucesso – ou pelo menos a vantagem competitiva junto dos stakeholders – de muitas empresas em todo o mundo. Mas a pressão por resultados de curto prazo, as ondas de choque da crise financeira, e as rápidas alterações no panorama concorrencial levaram muitos a relegar metas que já tinham sido estabelecidas no passado, incluindo as relacionadas com sustentabilidade e recursos.

Responsabilidade social e sustentabilidade: o exemplo poderá vir do setor público?

Por esta razão, não é de estranhar que sejam agora os legisladores a substituir a autorregulação, ou impondo métricas ao setor privado, ou dando os próprios poderes públicos exemplo através dos critérios pelos quais decidem, por exemplo, a aquisição de tecnologia informática. 

Na Europa, temos um recente exemplo aqui ao lado, em Espanha, onde a contratação pública passará a ser sujeita a critérios de sustentabilidade. 

Foi publicado dia 4 de fevereiro o Plano de Contratação Pública Ecológica dos Ministérios das Finanças e da Transição Ecológica de Espanha, aprovado em dezembro do ano passado. 

O plano prevê a inclusão de critérios de sustentabilidade – incluindo especificações técnicas, critérios de adjudicação e fatores de valorização – na aquisição de bens e serviços por parte de entidades do setor público espanhol. 

Segundo o Ministério para a Transição Ecológica, o plano tem como objetivo “permitir que as administrações, no decorrer da sua atividade, fomentem e contribuam para os objetivos de sustentabilidade económica e ambiental” ao “promover a aquisição por parte da administração pública de bens, atividades e serviços com o menor impacto ecológico possível”. 

O plano abrange todas as entidades públicas – a administração geral do Estado, agências governamentais e entidades gestoras da segurança social – e indica um conjunto de critérios gerais de sustentabilidade ambiental, de caráter voluntário, a serem incorporados nos cadernos de encargos como critérios de seleção e adjudicação, especificações técnicas e condições especiais de execução. 

Como acordado na aprovação do plano em dezembro de 2018, as entidades competentes deverão estabelecer, no prazo de um ano após a sua publicação, “um quadro estratégico no qual estabeleçam objetivos mínimos para a incorporação de critérios ecológicos nos contratos formais durante o período de atuação do plano”. O plano terá uma vigência de sete anos, ao longo dos quais estará sujeito a revisões e alterações. 

No boletim oficial publicado em fevereiro, ficaram estabelecidos os critérios ecológicos aplicáveis em cada uma das 20 categorias de bens, atividades e serviços priorizadas nas guidelines de contratação pública ecológica da Comissão Europeia. Nestes estão incluídos, entre outros, equipamentos de impressão, computadores e monitores, fornecimento energético, produtos e serviços de limpeza, sistemas de climatização, transportes, construção e gestão de edifícios. 

Tomando como exemplo a categoria dos computadores e monitores, a seleção de uma oferta poderá passar a estar sujeita a especificações técnicas sobre o consumo energético (por exemplo, a obrigatoriedade da certificação Energy Star ou equivalente) e relativas a substâncias perigosas e gestão de resíduos. 

Critérios de adjudicação aplicáveis incluem a certificação ambiental do fabricante por parte de uma entidade legítima e o consumo energético em diferentes estados, bem como a longevidade permitida pela duração da garantia, opções de arranjo do equipamento e disponibilidade contínua da troca de peças. 

 

Precedente europeu 

Este plano surge no contexto das guidelines de Contratação Pública Ecológica (Green Public Procurement – GPP) publicadas pela Comissão Europeia com o propósito de orientar a implementação, em regime voluntário, de boas práticas de aquisição de bens e serviços com um impacto ambiental reduzido por parte das entidades públicas dos estados-membro. 

Em Portugal, isto veio a materializar-se na Estratégia Nacional para as Compras Públicas Ecológicas (ENCPE) 2020, aprovada em junho de 2016. Por derivar do mesmo quadro de referência, a ENCPE assemelha- se em muito ao novo plano espanhol, e é aplicável a todas as aquisições efetuadas por entidades do setor público, à exceção das feitas em regime de ajustes diretos simplificados. 

Desde a publicação desta estratégia, a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública tem vindo a aplicar critérios ambientais em determinados acordos-quadro nas mencionadas áreas prioritárias. 

Atualmente, estão em vigor oito acordos- -quadro com critérios definidos na ENCPE – nas áreas do papel para usos gráficos, transportes, produtos alimentares e catering, equipamentos de IT, eletricidade, mobiliário e produtos e serviços de limpeza – e três com critérios ambientais não previstos pela ENCPE, nas áreas do licenciamento de software, manutenção de sistemas de climatização e manutenção de sistemas de elevação.

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