Os Estados Unidos declaram “emergência nacional” para bloquear as relações comerciais em produtos de ICT com a China. Quem vai perder mais nessa guerra e quais serão os danos colaterais?
O mundo não conhecia uma guerra comercial desde 1999, com Bill Clinton na chamada guerra do aço Chinês, mas a dimensão e o propósito são incomparáveis com a atual guerra sino-americana. Independentemente de considerações macro-económicas (em que os analistas não auguram nada de positivo), esta guerra tem um epicentro e não é o aço, é antes tecnologia chinesa high-end em ICT. Se o Brasil já está a ganhar com a guerra comercial na venda de soja para a China, e o Midwest a perder, na tecnologia pode não haver mesmo vencedores, nem os fabricantes ocidentais, nem os seus clientes, empresas e consumidores. A verdadeira 'cruzada' norte-americana contra a tecnologia ICT chinesa, especialmente no 5G, levou a disputa para um plano completamente novo, o da esfera geo-estratégica de aliados e potenciais inimigos - e isso é absolutamente novo. O Escalar da Guerra Na passada quarta-feira, o presidente Donald Trump emitiu uma ordem executiva que não só proíbe a utilização por empresas americanas da tecnologia chinesa como condiciona a aprovações administrativas restritas a exportação de alguns componentes, como microchips, para a China. Se a parte da importação é só mais um degrau nas restrições que foram lançadas anteriormente em 2018 (a atividade de fabricantes chineses já é muito limitada nos EUA), as restrições na exportação de tecnologia para a China visam atingir diretamente a capacidade de produção da Huawei, e em último cenário a total paralisação em quase todas as linhas de produtos, seja por impossibilidade de adquirirem microchips ou licenças de sistemas operativos. O reverso da medalha é o próprio impacto negativo na indústria americana. Só no caso da Intel, isso representaria o desaparecimento de 19 mil milhões de dólares em receitas (perto de 25% do volume de vendas), e em outros fabricantes como a Micron Technology, Qualcomm, Microsoft ou mesmo a Google, o impacto será também devastador. A Huawei é o terceiro maior comprador de semicondutores no mundo, absorvendo 4,4% de toda a indústria global de semi-condutores. Estima-se que um quarto de toda a cadeia de fornecimento da Huawei venha de empresas americanas, e o fabricante chinês não tem alternativa no caso de um embargo total. No início da ofensiva da administração americana contra a Huawei, alguns analistas defendiam que a verdadeira razão não era da esfera da segurança mas apenas de protecionismo comercial, mas essa leitura também não faz sentido no caso do 5G, porque as alternativas atuais a essa tecnologia proveem dos europeus Nokia e Ericsson. Claro que em segmentos como data center ou networking, empresas americanas como a HPE ou a Cisco podem ver desaparecer um concorrente no mercado doméstico, mas esse seria um ganho limitado, face ao embargo das exportações. Only Business ou DEFCON ? Existe agora por parte de vários analistas a percepção de que mais que uma cortina de fumo na guerra comercial sino-americana, a administração de Donald Trump está verdadeiramente receosa que parte da infraestrutura de telecomunicações e de data center esteja 'nas mãos' de uma potência estrangeira potencialmente hostil, tanto na sua infraestrutura doméstica como na dos seus aliados militares. Isso são seguramente más noticias para o desenvolvimento do 5G, mas também para o acesso a tecnologia de data center e de networking e para o mercado de smartphones. É essa a mensagem que a administração da Huawei tenta passar para a opinião pública, mas seguramente não vai ser acolhida com facilidade em Washington. Este é provavelmente o único tópico que é consensual no Congresso e ambos os partidos respaldam as decisões de endurecimento do executivo face à tecnologia chinesa. Num mundo globalizado, onde as cadeias de fornecimento e produção são extremamente interdependentes, é impossível antever todas as implicações que estes embargos poderão ter na industria ICT, mas vão seguramente voar estilhaços. Só não é possível prever onde vão cair. |