Um artigo de investigação apurou que pelo menos duas empresas norte americanas – a Proven Data e a MonsterCloud – prometiam a clientes vítimas de ataques de ransomware eliminar as ameaças e recuperar os seus dados. Na verdade, pagavam o regaste aos atacantes e já se investiga o seu envolvimento em redes de “hackers”
A ProPublica divulgou o resultado de uma extensa investigação sobre o negócio das empresas de recuperação de dados nos Estados Unidos. Através dos testemunhos de antigos e atuais colaboradores dessas empresas, forças de segurança, antigos clientes e especialistas em segurança, o artigo publicado também no The Guardian vem colocar em causa os métodos de trabalho de duas das mais conhecidas empresas do ramo da recuperação de dados nos EUA: a Proven Data e a MonsterCloud. Nos dois casos, conclui-se que as empresas prometiam aos seus clientes serem capazes de desbloquear o ransomware e devolverem os dados aos seus proprietários, omitindo que na realidade pagavam o resgate pedido pelos atacantes e cobravam depois um valor superior ao da ameaça inicial. Os pedidos de resgate aconteciam sobretudo na modalidade de bitcoin e o período da investigação reporta-se aos pedidos de ajuda entre 2015 e 2018. O pagamento do valor de resgate é prática comum para este tipo de empresas, que habitualmente o faz comunicando às autoridades e aos clientes que o ransomware não é desbloqueável e por isso os dados impossíveis de recuperar sem aceder às exigências dos atacantes. O que não é comum – ou não deveria ser, creem os especialistas – é omitir junto das vítimas o pagamento dos valores exigidos. Essa falta de transparência leva exatamente a que hoje as duas empresas em causa estejam sob o radar das autoridades, por se terem tornado demasiado “amigáveis” do universo das redes de ciberataque. A investigação da ProPublica concluiu que haveria “descontos especiais” nos resgates para as empresas servirem como intermediárias. A “amizade” estendia-se até à informalidade na troca de e-mails, quase como se as empresas de recuperação de dados fossem clientes habituais de hackers – relação que pelo menos um antigo funcionário da Proven Data atesta ser verdade. A incapacidade de as autoridades de segurança mitigarem ciberataques, por falta de preparação e recursos, e até por vezes por serem elas próprias as vítimas, faz com que os Estados Unidos se tenham tornado especialmente permeáveis, e as vítimas viram-se para soluções como as oferecidas pela Proven Data e MonsterCloud, que ainda que dispendiosas e pouco transparentes, devolvem os dados às vítimas com enorme rapidez, devido também, e sobretudo, à proximidade que ganharam às redes de ciberataque. Jeffrey Kosseff, especialista em direito em cibersegurança, diz que “é uma área cinzenta estranha onde há uma lei, mas ela não é imposta” por não se conseguir chegar aos culpados. O especialista acrescenta que “o ransomware é uma verdadeira falha no sistema legal e não há remédio para isso”. Apesar de ser uma realidade um pouco por todo o mundo, a forma americana de tratar ameaças de ransomware é particular. Se a nível europeu há uma coordenação e preocupação maiores com estes casos, bem como equipas treinadas para responder, a nível da tutela, nos EUA é bem diferente. Fabian Wosar, investigador de segurança britânico, diz que “as autoridades europeias procuram por especialistas e investigadores da área na plataforma Slack” e encontram-nos, facilitando a denúncia e reconhecimento de problemas de segurança, bem como agilizando a sua resolução. Já o FBI não pode simplificar os processos a este nível, por ir contra as regras de “arquivamento de informação” federal. Somando-se à burocracia, os técnicos do FBI estarão pouco familiarizados com o que é ransomware. Além das quantias avultadas recebidas pelas empresas em troca de um serviço não correspondente ao combinado com os clientes, também se suspeita que a MonsterCloud tenha falsificado ‘reviews’ ao seu serviço de recuperação de dados. Outra empresa denunciada através da investigação foi a russa Dr. Shifro, que usava os mesmos métodos que as duas americanas e foi ‘apanhada’ através de uma simulação de ameaça e resgate criada pela Check Point. |