No século VI A.C., os gregos peregrinavam ao Oráculo de Delfos, convencidos de que a ambiguidade das profecias escondia uma verdade inescapável
Hoje, perante um novo oráculo – o da inteligência artificial –, os algoritmos ocupam um papel semelhante, ainda que assentes em bases científicas e tecnológicas. Mas a questão central mantém-se intocada: a previsão é um vislumbre do futuro ou uma prisão do passado? A crença na infalibilidade dos dados cresce com a sofisticação dos modelos, mas a marca de rigor mascara uma fragilidade estrutural. O viés algorítmico não é um erro de código, mas uma consequência inevitável de um passado imperfeito. E, no entanto, a crescente dependência da IA tende a levar à abdicação gradual da dúvida crítica. Empresas, governos e líderes tratam previsões debitadas por modelos como se fossem destinos traçados, ignorando que toda a projeção é, no fundo, uma ficção construída sobre pressupostos que raramente são questionados. O problema não é a falta de inovação tecnológica – é a falta de ceticismo epistemológico. Numa era de hiperautomação, o verdadeiro desafio não é desenvolver modelos mais avançados, mas reconhecer os limites da sua aplicabilidade. Qualquer sistema que não preveja a sua própria falibilidade é, por definição, falível. Se a inteligência artificial quer ser mais do que um eco dos erros humanos, precisa de algo que os antigos oráculos nunca tiveram: escrutínio e uma humildade que só os humanos podem impor. No fim, o futuro pertence não a quem confia cegamente nos dados, mas a quem os questiona com implacável ceticismo. |