As disputas legais entre as Instituições Europeias e as empresas de tecnologia norte-americanas continuam um tema quente na agenda política entre os dois blocos económicos, com acusações mútuas: de uma parte de protecionismo, do outro lado de monopólio e quebra da privacidade.
Cinquenta Eurodeputados do Parlamento Europeu ripostaram esta semana à convicção cada vez mais predominante nos Estados Unidos de que a União Europeia está a usar a legislação como ferramenta económica para proteger os interesses europeus da hegemonia de Silicon Valley na economia digital.
Os deputados europeus delinearam as suas objeções numa carta conjunta, negando acusações de “protecionismo digital” por parte de Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, e do sector privado, as quais se baseiam na ideia de que a Europa não tem como lidar com a GAFA, termo usado em alguns círculos europeus para se referirem às quatro grandes empresas de Silicon Valley: Google, Apple, Facebook e Amazon.
O Presidente Obama terá mesmo afirmado (de acordo com um jornal de referência sobre política baseado em Washington) que o que é frequentemente visto como “atitudes nobres” da Europa é “especificamente concebido para servir os seus interesses comerciais”.
Mas as "nobres causas" acabam por existir de ambos os lados.
Por muito embaraçoso que seja para nós europeus a "batota" da Volkswagen, é claro que toda a narrativa à volta da forma como casualmente uma ONG americana movida por "nobres" causas ambientais descobriu as emissões de dióxido de nitrogénio soa aos ouvidos de muitos europeus como "uma história para embalar crianças".
Possivelmente alguns políticos europeus terão agora uma motivação adicional para não facilitar a vida ao GAFA, e a outras empresas americanas, quando comprovadamente elas ajudaram o governo dos Estados Unidos a espiar os cidadãos de países europeus seus aliados.
Mas obviamente no discurso dos deputados europeus não se trata de uma "guerra" comercial entre os dois blocos.
“Embora admiremos o dinamismo e sucesso de Silicon Valley, confiamos na capacidade da Europa de promover talento, criatividade e empreendedorismo. O acrónimo ‘GAFA’ não é um termo usado por nós, e não vemos a legislação como um meio de controlar o crescimento de empresas,” escrevem os deputados.
Esta carta é recebida num momento em que uma série de mudanças legais e regulamentares ameaçam empresas americanas a operar na Europa, incluindo a recente decisão relativamente ao “direito de ser esquecido”, legislação tributária, privacidade, e o tratado Safe Harbour (tratado sobre a partilha de dados pessoais entre governos europeus e o governo americano ).
Enquanto a Europa procura soluções para lidar com uma "agenda" digital marcada pelos Estados Unidos, os deputados alertam contra o erro de assumir que todos os deputados da União Europeia tomam a mesma posição.
“Representamos diferentes partidos políticos e vimos de diferentes países-membros da EU. Temos opiniões diversas relativamente à privacidade e plataformas, net neutrality e encriptação, Bitcoin, zero-days e copyright. Procuraremos aperfeiçoar todas as propostas da Comissão Europeia de forma a servir os interesses dos nossos cidadãos bem como de todas pessoas”, escrevem, afirmando que não são muito diferentes dos seus congéneres americanos.
“Sabemos que estão sujeitos a debates semelhantes nos Estados Unidos. Estamos, na verdade, sob pressão por parte tanto de ONGs como de empresas europeias”, acrescentam.
A carta chegou antes da recomendação de um consultor do Tribunal de Europeu Justiça para declarar inválido o tratado Safe Harbour entre os EUA e a União Europeia.
À luz das atividades de vigilância reveladas pelo ex-colaborador da NSA, Edward Snowden, Yves Bot, advogado-geral do Tribunal Europeu de Justiça, argumenta também que as autoridades europeias de proteção de dados não devem assumir que o tratado Safe Harbour significa que os dados privados dos cidadãos europeus estão seguros nos Estados Unidos, e que deviam ter a autoridade para suspender a transferência de dados de utilizadores para os EUA.
Adicionalmente, a autoridade de proteção de dados francesa rejeitou o apelo da Google contra o mandato para aplicar a remoção de resultados de pesquisa protegidos pelo “direito de ser esquecido” em todos os seus domínios em vez de apenas nos domínios europeus.
Günther Oettinger, comissário europeu para a Economia Digital e Sociedade, relatou esta semana ao "Wall Street Journal" que ao desenhar o quadro regulamentar para empresas online estava seguro que iriam “encontrar regras que não fossem protecionistas nem descriminatórias,” mas que irá ser justo para todos os envolvidos.
Oettinger reunir-se-á esta semana em Washington com executivos de Silicon Valley com o objetivo de dissipar preocupações relativamente a propostas legislativas da União Europeia serem concebidas para limitar atividades empresas americanas.
O comissário Oettinger vai estar em Lisboa dia 20 de Outubro para a abertura da conferência Digital Agenda for Europe, a decorrer no auditório da representação da União Europeia em Portugal. Seguramente que este assunto será abordado em algum dos painéis.