Apesar de tudo no Brexit ser um enorme ponto de interrogação, no setor do IT, especificamente, existem desafios próprios que se colocam com a saída do Reino Unido.
Ondas de incerteza atravessarão a Europa nos próximos tempos, mas no setor do IT há problemas para resolver em dois anos, que mexem com decisões não só de clientes como das próprias multinacionais das tecnologias de informação. Os dadosUma das questões prende-se com os dados empresarias e pessoais de europeus que estejam em data centers do Reino Unido. Se com os EUA foi possível estabelecer o primeiro acordo Safe Harbor, e se está agora nos detalhes finais do seu substituto (Privacy Shield) , com o Reino Unido pode não existir a mesma motivação base que era o status-quo prévio à regulamentação. Para mais, a nova regulamentação europeia aprovada no passado dia 27 de abril, e cuja implementação terá de estar terminada em dois anos, ainda é mais restrita relativamente a dados europeus fora do solo comunitário. Se para alguns grandes cloud service providers, como a Amazon Web Services, os data centers de Dublin e de Frankfurt já respondem à necessidade dos dados permanecerem no solo da UE, e o mesmo ocorre com o Microsoft Azure (Irlanda e Holanda) e a IBM Softlayer (várias cidades na UE), mas para outras empresas será mais difícil, dado que centraram no Reino Unido toda a sua oferta para a cloud. Um dos exemplos é o gigantesco NGE, um dos 10 maiores data centers do mundo em dimensão física, e que está localizado no País de Gales, alojando perto de 19 mil servidores em rack com dados de clientes do UK e de toda a Europa. Claro que o inverso também é verdade, embora numa escala muito mais pequena: os britânicos também vão querer repatriar dados para o seu solo se não existir um acordo do tipo Safe Harbor. Os talentosA indústria britânica de IT e de micro chips depende muito do talento de colaboradores europeus que até agora tinham livre acesso ao mercado de trabalho. Só na área da arquitetura de microprocessadores, a ARM, baseada na cidade de Cambridge, emprega 200 engenheiros da UE, fundamentais para o desenvolvimento do tipo de microprocessadores que estão presentes na generalidade dos nossos smartphones. Em Londres, centenas de startups impulsionadas pela Venture Capital dependem de talentos vindos de toda a Europa. Um dos maiores financiadores desta industria é a Silicon Valley Bank, empresa que há 30 anos apoia os empreendedores na área do IT. Questionado acerca do Brexit pela Bloomberg, ainda antes do referendo, Phil Cox, o responsável do Banco para a EMEA, afirmou que os efeitos sobre a sua atividade serão devastadores e equaciona uma deslocalização das suas operações para outra cidade europeia, referindo Berlim como eventualmente a maior beneficiária destes previsíveis movimentos de migração. Como se organizam as multinacionais de ITUm terceiro aspeto que o Brexit pode trazer sobre esta indústria é a organização interna europeia de uma parte muito significativa das grandes multinacionais de IT. Em Londres estão sediadas muitas multinacionais norte-americanas e também japonesas, coreanas e chinesas. Numa lógica de otimização de custos e competitividade, muitos escritórios europeus foram esvaziados de competências e de serviços não comerciais, e foram sendo concentrados sobretudo em duas localizações: Irlanda e Reino Unido. É agora natural que empresas como a Xerox, Sony, LG ou Acer, apenas para citar alguns exemplos, tenham de reverter anteriores decisões de concentração, o que na prática vai significar maiores custos administrativos, com a previsível saída de Londres das operações centrais para a Europa. A Sony, que tinha os serviços europeus centrados em Amesterdão e os migrou recentemente para Londres, está certamente agora mais que arrependida dessa decisão. A Samsung é uma das empresas com a operação Europeia sediada em Londres, e de acordo com o jornal Korean Herald vai ativar um plano de contigência para mudar a localização para o continente. Estes movimentos de readaptação da forma como as multinacionais de IT gerem administrativamente e fiscalmente as suas atividades na Europa pode acabar por se traduzir em custos repassados para os seus clientes. O comércio eletrónicoBeneficiando de ter a língua franca da Internet e de um bom suporte logístico, o Reino Unido é o maior vendedor online na Europa no comércio B2C, e desde 2013 o maior exportador mundial no e-commerce. O maior operador é a Amazon do Reino Unido, mas na verdade a loja vende a maioria dos seus produtos para outros países da UE como país membro que beneficia do mercado único. Em áreas mais específicas, como a moda, sites como a Asos têm todas as operações centralizadas no Reino Unido, apesar de aparentemente existirem sites da empresa com domínios de vários países, estes são apenas portais locais na língua dos clientes, não tendo nenhum suporte logístico que os sustente que não seja a operação no UK. Este modelo de gestão do e-commerce centralizado pode agora estar compremetido se, como tudo indica, o Reino Unido abandonar o mercado único. |