A nova geração da robótica, sustentada por software de inteligência artificial, pode transformar por completo os processos de produção industrial e contribuir para reindustrializar o Ocidente
Já existem mais smartphones à face do planeta do que pessoas. Bastaram dez anos para que estes dispositivos se tornassem numa commodity e numa extensão de vidas e de negócios. O ritmo a que novas tecnologias se desenvolvem, no mundo de hoje, significa tremendas oportunidades e, sobretudo, democratização, espantando até os que as acompanham de perto. “O ritmo de inovação é, por si e em si, uma surpresa”, confessa-nos Karen Kharmandarian, senior investment manager na Pictet Asset Management, empresa de gestão de fundos de investimento. “Sempre soube que a robótica e a inteligência artificial não são tecnologias lineares, mas exponenciais. No entanto, os novos avanços e aplicações continuam a surpreender”. Kharmandarian, que é um dos maiores especialistas mundiais em robótica, esteve em Portugal a convite do Banco Best para uma conferência dedicada à robótica e à Indústria 4.0, onde reiterou que a velocidade de desenvolvimento é superior ao esperado. Geração de robôs inteligentesHoje, o conceito de robótica difere bastante do da primeira geração, nos anos 60, que envolvia tarefas repetitivas e de controlo de movimento. A segunda geração, que começou nos 2000, adicionou a perceção e capacidades de navegação, bem como context awareness. A terceira, em desenvolvimento, chega menos de 20 anos depois da anterior. “A última geração está a adicionar sistemas cognitivos, graças à inteligência artificial desenvolvida a partir do vasto volume de dados digitais disponíveis e a novas formas de interação entre humanos e máquinas”, esclarece. Assim, os robôs inteligentes vão desde machine vision a sistemas hápticos (que permitem tocar e manipular objetos em ambientes virtuais), à própria compreensão e processamento de linguagem natural, englobando tecnologias de mapeamento e navegação. “Também incluímos neste conceito as tecnologias que permitem compreender todos os dados disponíveis atualmente, ou seja, tanto a capacidade de computação como a próxima geração de processadores dedicados a software e a algoritmos de inteligência artificial”.
Mudança ao virar da esquinaBasta olhar ao nosso redor para perceber que tudo está a mudar rapidamente e Kharmandarian dá como exemplo os veículos autónomos. “Até há pouco tempo, previa-se que estivessem nas estradas dentro de 20 a 30 anos. Agora espera-se que cheguem antes do virar da próxima década”. Outro exemplo apontado pelo especialista da Pictet Asset Management é o de um drone de transporte de passageiros, apresentado no CES do ano passado, em Las Vegas, ainda em fase de protótipo e que já na segunda metade deste ano será utilizado como um táxi aéreo no Dubai. “Prevejo surpresas futuras, que advirão do modo como interagiremos com as máquinas e com as assistentes virtuais em breve – não com recurso a teclados ou programas, mas de modo mais intuitivo e através de formas de comunicação mais naturais, como a fala, por exemplo”. Benefícios para as empresasSegundo Kharmandarian, a próxima geração de robôs inteligentes, sustentados por inteligência artificial (IA), está a ganhar tração a um ritmo que passa despercebido à maioria dos executivos, sobretudo no que diz respeito aos benefícios que podem advir para os negócios. “A maior promessa diz respeito ao poder que a robótica tem para transformar a proposta de valor de uma empresa – e para mudar fundamentalmente a dinâmica competitiva de qualquer indústria”, sublinha. E como pode ser um catalisador da inovação? A nova geração de robótica oferece a possibilidade de chegar a novos designs de produto e a produtos customizados com maior rapidez e a custos mais baixos, permitindo que as empresas ajustem permanentemente a sua oferta às preferências e exigências crescentes dos consumidores. Em suma, permite colocar no mercado produtos e serviços com um nível de personalização muitíssimo elevado, à medida que esta é solicitada, de forma rentável. “A robótica dá aos negócios a oportunidade de crescer e ultrapassar a concorrência. Mas não é uma opção, um ‘nice to have’. Tornou-se já numa necessidade”, adverte. Além da indústria, são vários os setores de atividade que podem beneficiar da robótica – da agricultura ao próprio entretenimento. De momento, adiantou, as maiores oportunidades estão no setor dos transportes e da logística, no comércio eletrónico e também na saúde. Um passo para a "de-globalização"?Pode esta (re)evolução significar uma viragem no atual status quo da industrialização mundial? “A robótica pode contribuir para a ‘de-globalização’ e para a reindustrialização dos países do Ocidente e, no processo, criar novos postos de trabalho, em torno desta tendência”. Por um lado, realça Karen Kharmandarian, “a qualidade e a consistência dos produtos aumentam, já que os robôs asseguram o cumprimento dos standards de qualidade estabelecidos”, sejam os que são definidos por reguladores, pelas expetativas dos clientes ou pelas próprias empresas. Por outro, a disseminação da utilização dos robôs levará a que os custos da própria tecnologia diminuam rapidamente. “O custo médio por hora desta nova geração de robótica já compete de forma muito favorável com o do trabalhador, mesmo nos países em desenvolvimento, como a China, onde apesar de tudo os salários têm vindo a aumentar”, aponta. Assim, o outsourcing da produção em países onde o custo do trabalho é menor já não é tão atrativo como outrora. “Com os robôs, é possível trazer a produção para mais perto dos clientes, produzir on-demand, de forma muito flexível, com maior controlo de qualidade e com um time to market menor, já que não é necessário esperar semanas pelos contentores”, nota o especialista. |