Por detrás da continuidade dos negócios e serviços críticos durante o estado de emergência está o trabalho, invisível mas indispensável, dos departamentos e prestadores de serviços de IT, sem o qual as mudanças radicais do modo de funcionamento das organizações não teriam sido possíveis.
Um país em confinamento: estabelecimentos não essenciais fechados, e todas as funções que não requerem intervenção presencial a serem desempenhadas remotamente. Empresas que anteriormente não contemplavam qualquer modelo de trabalho remoto passaram, de um dia para o outro, a ter perto de 90% dos colaboradores em casa. Numa questão de semanas, atividades como consultas médicas, aulas e compras de supermercado verificaram uma transição para o digital que de outra forma teria levado anos. Mais impressionante de tudo: salvo o ocasional e inevitável sobressalto – e mesmo tendo em conta os negócios que, infelizmente, não voltarão a reabrir – tudo isto foi feito, pelo menos no curto prazo, com sucesso. E isto não aconteceu (apenas) porque as organizações portuguesas estavam mais preparadas para esta transição do que anteriormente previsto, mas sim devido ao trabalho do IT, tanto in-house como por parte dos prestadores de serviços, para garantir a continuidade de negócios nesta situação altamente disruptiva.
As empresas numa fase mais avançada de transformação digital fizeram uma transição rápida e segura para esta nova realidade, enquanto aquelas que se mantiveram num modelo de IT tradicional estão a enfrentar maiores desafios
Independentemente de consequências futuras, ou mesmo da crise económica que se avizinha, uma coisa é certa: o IT empresarial nunca vai voltar a ser o mesmo. Isto torna-se imediatamente evidente na forma como diferentes estratégias de IT estão a obter resultados radicalmente diferentes. O papel da digitalizaçãoPor um lado, existe naturalmente uma grande diferença entre o impacto sentido em sistemas que suportam manutenção e operação remota e aqueles que requerem a presença física de profissionais de IT. A Claranet, por exemplo, relata não ter experienciado qualquer tipo de disfunção na operacionalidade da maioria dos seus serviços, visto favorecer fortemente modelos Cloud e aaS. Por outro lado, explica António Miguel Ferreira, Managing Director da Claranet, “todos serviços de IT que implicam o manuseamento físico de infraestruturas (...), apesar de estarem também a serem prestados, têm algumas condicionantes, relacionadas com a menor disponibilidade dos clientes para abrirem as suas instalações, o que provoca alguns atrasos”. O mesmo é relatado pela Noesis, que não tendo sentido particular impacto sobre áreas como Quality Management, Enterprise Solutions ou de Data Analytics & AI, foi obrigada a reinventar a forma como colabora com os seus clientes no âmbito se serviços prestados on- -premises, segundo explica o CTO Nelson Pereira. Assim, as empresas numa fase mais avançada de transformação digital conseguiram, na sua maioria, uma transição rápida e segura para esta nova realidade, enquanto aquelas que se mantiveram num modelo de IT tradicional e on-premises estão a enfrentar maiores desafios tanto na transição para o teletrabalho como na manutenção da infraestrutura, seja esta feita in-house ou por prestadores de serviços. Ricardo Lebre, Head of Technology da Everis Portugal, aponta ainda uma segunda divisão: as empresas mais conservadoras, que estão a avaliar o impacto na economia antes de tomarem decisões de futuro, e as mais bem preparadas, para as quais este momento serve como um acelerador do processo de transformação digital. São estas as empresas, conclui, que vão tomar partido da situação para desenvolver novos modelos de negócio, trabalho e comunicação para o futuro. “Para as restantes é um bom momento para avaliarem e, eventualmente, adequarem a sua estratégia, de forma a simplificaremos seus modelos de continuidade de negócio”, conclui o responsável. Exemplo disto é a APM Terminals, operadora internacional de terminais portuários. “Quando [o estado de emergência] foi declarado, as principais mudanças foram a implementação de medidas que garantissem a segurança de todos os trabalhadores e fornecedores, e ao mesmo tempo que nos permitissem continuar operacionais de forma a garantir o fornecimento de mercadorias e bens essenciais, em Marrocos e no mundo”, relata João Mateus, Senior IT Manager da APM Terminals em Marrocos. Destas medidas, a extensão do teletrabalho foi uma das primeiras – e também das mais simples, visto estar, segundo relata João Mateus, completamente enraizado na cultura e processos da empresa. “Esta foi uma adaptação de grande escala, ou seja, ao nível do grupo que opera em todos os fusos horários do planeta, no entanto não tivemos grandes desafios técnicos”, conclui o responsável, acrescentando que “o IT assume um papel importantíssimo de suporte nesta mudança. Se de uma forma geral nós já estávamos preparados para esta mudança de paradigma, temos, no entanto, que aprender com esta experiência quer como trabalhadores ou líderes e preparar o futuro com base nesta aprendizagem.” Independentemente das necessidades dos clientes, as empresas de IT tendem a estar, em maior ou menor grau, adequadamente preparadas para este tipo de situação, tendo um grande nível de digitalização dos negócios e know-how para enfrentar este tipo de soluções. Fora do mundo da tecnologia, contudo, o nível de preparação é mais variável, tendo em muitos casos requerido altos níveis de reestruturação. “Esta nova realidade obrigou-nos a adaptarmos alguns processos, equipas e serviços, quer prestados internamente, quer por via de parceiros externos”, relata a Sonae – garantindo, contudo, que a manutenção dos serviços críticos não foi interrompida, tendo grande parte dos serviços sido “assegurados de forma remota por equipas com processos, procedimentos e rotinas estabelecidas”, e aqueles que requerem presença nos locais de trabalho ajustados para garantir o cumprimento de medidas de segurança. O IEFP, por seu lado, relata também uma adaptação ágil a esta nova realidade, resultado atribuído a um alto nível de preparação prévia. “Do ponto de vista das TIC’s não houve degradação dos tempos de resposta”, explica Carlos Miguel Brito, Diretor de Serviços de Sistemas de Informação, Departamento de Instalações e Sistemas de Informação do IEFP, acrescentando que “do ponto de vista técnico não tivemos nenhum problema, o que foi necessário foi organizarmo-nos de uma outra forma, mais flexível, para permitir seremos mais ágeis na resposta”. TelecomunicaçõesSendo que todas estas tendências são aplicáveis a qualquer organização, ganham relevância adicional na área das telecomunicações. Por um lado, os serviços de uma única operadora são vitais para a manutenção das atividades de uma enorme percentagem do País. Por outro, a necessidade de serviços de telecomunicações veio a crescer de forma inédita neste período, alterando completamente a dinâmica da gestão das redes. “O elevado volume de população em casa e a consequente necessidade de utilização ativa dos serviços de telecomunicações impôs algumas mudanças do ponto de vista de gestão e supervisão das redes, nomeadamente a necessidade de rápida adaptação a uma nova realidade e sobretudo ao desafio que é ter milhões de portugueses a utilizar simultaneamente as redes de telecomunicações”, explica Luís Alveirinho, CTO da Altice Portugal – garantindo, contudo, que apesar da natureza inédita da situação, esta é uma área na qual a Altice está habituada a ser resiliente e na qual existe rápida capacidade de adaptação. Prova disso é a manutenção da disponibilidade do serviço que se tem verificado durante este período – resultado, em parte, do investimento que a Altice tem vindo a fazer para levar fibra ótica a todo o território português. Adicionalmente, o Global Operation Center (GOC) da Altice Portugal tem sido responsável por gerir a operação, manutenção e gestão da rede nacional de telecomunicações de forma a garantir a otimização da mesma, bem como para manter as comunicações funcionais 24 horas por dia com uma performance adequada. “Em muitos casos, existiu até um reforço totalmente voluntário por parte da Altice Portugal para aumentar capacidade das suas redes, o que permitiu igualmente uma maior capacidade de resposta dos serviços críticos para o País durante este período”, acrescenta Luís Alveirinho. O futuro do ITPor outro lado, esta súbita pressão sobre os recursos tecnológicos das empresas pode também trazer consigo uma nova perspetiva sobre o papel do IT nos seus processos, evidenciando a importância da digitalização, não só como uma mera ferramenta, mas como uma salvaguarda vital da continuidade de negócios. “Uma feliz consequência desta infeliz situação é que o processo de transformação digital das empresas foi acelerado. Fizemos em 2 a 3 semanas o que normalmente demoraria 2 anos a ser feito”, relata António Miguel Ferreira (Claranet). Do mesmo modo, Abel Aguiar, Executive Director Partner Channel & Small, Medium, Corporate Markets da Microsoft, prevê que se verificará uma mudança de visão do IT de algo que suporta o negócio para algo que é crítico para o seu funcionamento. “Este pode ter sido o maior momento de aceleração da transformação digital, em que se quebraram muitos mitos e barreiras culturais e psicológicas, e não será possível a regressão para o ponto de partida”, garante. O responsável prevê também uma explosão na adoção de modelos Cloud First ou Cloud by default nas organizações, independentemente da dimensão ou sector, bem como, possivelmente, de tecnologias de robotic process automation e internet of things, de forma a permitir às empresas reduzir a necessidade da intervenção dos seus funcionários no terreno. Por último, prevê também um impacto na posição das empresas face aos planos de contingência e continuidade de negócio, em consequência da preparação inadequada que ficou evidente nos riscos e custos desnecessários experienciados por muitas empresas nos últimos tempos. Ricardo Lebre (Everis) acrescenta ainda que a atual situação representa uma oportunidade para as empresas se diferenciarem dentro dos seus setores ao oferecerem serviços digitais. “É através da oferta de experiências digitais otimizadas que as empresas podem aproveitar a situação atual como uma alavanca para captar novos clientes e fidelizar em novos canais digitais, que, do ponto de vista operacional, podem ser altamente otimizados”, garante. Por exemplo, na área do retalho, a Sonae prevê que a explosão da utilização de canais digitais, possa fortalecer a fidelização de mais clientes a estes canais, substituindo formas mais tradicionais de consumo. |