Desde janeiro que a diretiva europeia PSD2 institui a possibilidade de os pagamentos poderem ser realizados sem a intermediação dos bancos, desafiando fortemente o seu relacionamento com os clientes
A Diretiva PSD2, Diretiva Europeia de Serviços de Pagamento, revoga a anterior (PSD) e será de cumprimento obrigatório a partir de janeiro de 2018. Com esta norma, a União Europeia pretende impulsionar a inovação, a abertura e a transparência no mercado europeu de pagamentos, visando ainda dotar de maior segurança os pagamentos móveis e online. A nova diretiva dá aos consumidores maior controlo sobre a sua informação financeira. O que institui?Na sua essência, a diretiva estabelece que as instituições bancárias passam a ter de assegurar a prestadores de serviços — Third Party Providers (TPPs) — o acesso, através de APIs, a uma conta à ordem ou de pagamentos, de forma regulada e segura – desde que o titular o autorize. Esta regra de “Access to Account” (XS2A) leva a que o banco deixe de ser, obrigatoriamente, o intermediário duma transação no contexto de um pagamento, o que significa que o mesmo pode ser realizado de forma direta entre um retalhista e o cliente, por exemplo, ou através de uma plataforma como o Facebook, a Google ou outras que, certamente, surgirão. Para os bancos, esta desintermediação significa que deixarão de recolher as taxas de pagamentos bancários que atualmente recebem sempre que é feito um pagamento online com um cartão de débito ou crédito. Para disponibilizarem este acesso, os bancos devem permitir ainda a verificação da identidade do cliente e autenticação via APIs. Do ponto de vista tecnológico, será necessário novo software e melhor autenticação, já que abrir informação bancária a terceiros levanta questões importantes sobre segurança. O recurso a autenticação biométrica pode ser a alternativa mais viável. Como afeta as instituições bancárias?Este acesso às contas dos clientes através de APIs abertas abrirá caminho ao aparecimento de novos tipos de serviços: de iniciação de pagamento (que a diretiva denomina de PISPs – Payment Initiation Service Providers), que ligam o beneficiário da transação diretamente à conta do cliente; e de informação sobre contas (Account Information Service Providers – AISPs), já que a norma prevê que novos prestadores de serviços possam recolher informação das contas bancárias, incluindo o histórico de transações e saldos, o que originará novos serviços de gestão financeira em torno da utilização destes dados, com recurso a analítica, por exemplo. Os AISP também poderão agregar informação de múltiplas contas bancárias num único portal online ou app, dando ao cliente o acesso a uma gestão centralizada das suas finanças. Ao possibilitar que a iniciação do pagamento seja feita por terceiros, a PSD2 revoluciona as atuais redes de pagamentos por cartão, que ficam fortemente ameaçadas, já que os comerciantes sentir-se-ão tentados a promover o pagamento via PISPs, ao invés de por cartão bancário. E não apenas no e-commerce, já que o modelo da PSD2 também é aplicável aos pontos de venda físicos, com o serviço de iniciação de pagamento a poder ser integrado nas aplicações de pagamento móvel (mobile wallets). Ou seja, as taxas atualmente cobradas pelas instituições bancárias e pelas redes de cartões (Visa, Mastercard) tenderão a diminuir. A consultora Roland Berger estima que a diretiva reduza em 40% as receitas dos bancos, na União Europeia, abrangendo mais de mil milhões de consumidores. E a Accenture prevê que o pagamento por serviços de PISPs represente 16% dos pagamentos online em 2020. Dentro de dez anos, o volume das transações baseadas em cartão, na União Europeia, deverá ser bastante inferior ao de hoje. Relação com clientes ameaçadaA maior ameaça ao negócio da banca não reside, porém, na diminuição das taxas cobradas. A disrupção está na potencial perda de relacionamento com o cliente, já que os bancos correm o risco de ficar reduzidos a uma commodity, caso não aproveitem a PSD2 para reinventarem os serviços que prestam ao cliente. Até agora, a banca B2C tem mantido a “propriedade” das finanças do cliente. É este relacionamento, esta interação constante, que a PSD2 ameaça. Onde está a oportunidade?Se, para as fintech, a nova diretiva é ouro sobre azul, para as instituições bancárias incumbentes representa um momento de viragem. A disrupção representa a oportunidade para as instituições bancárias reverem a sua estratégia: podem optar por colaborar de perto com as fintech, criando um ecossistema que oferece valor ao cliente, e que abre novas oportunidades de receita. Os bancos também podem, eles próprios, desenvolver novos serviços de gestão financeira, tornando-se AISPs.
|