A tecnologia, ainda em fase crescente de adoção, significa a criação de réplicas digitais para a análise de todas as perspetivas e simulação de cenários e impactos de produtos, sistemas, objetos reais ou de ideias por concretizar
Tal como no artigo principal da edição 37 da IT Insight, falar de Digital Twins é falar de uma representação virtual do real – neste caso, de uma réplica de um objeto, um processo ou um sistema com uma representação física, numa espécie de ponto entre o mundo físico e virtual; um paralelo virtual do concreto. Falar em Digital Twins é, obrigatoriamente, falar em transformação digital, mas o termo surge muito antes do buzz da digitalização dos últimos anos. O conceito foi introduzido há mais de 30 anos na obra Mirror Worlds de David Gelernter, professor de ciências de computação na Universidade de Yale. A terminologia foi mudando ao longo do tempo, mas o conceito de Digital Twins permanece estável há cerca de 20 anos. Apesar de o livro marcar a primeira menção ao conceito, a sua aplicação é acreditada dez anos depois, em 2002, a Michael Grieves, na altura professor na Universidade do Michigan, que o aplicou pela primeira vez ao setor da manufatura. Posteriormente, o termo é vinculado, também, a John Vickers da NASA, em 2010, com a primeira definição prática de Digital Twins ligada à tentativa de melhoria de modelos físicos de naves através da simulação. Neste âmbito, as ações da NASA ainda nos anos 60 foram pioneiras. Apesar do termo ainda não existir, as naves eram replicadas virtualmente com detalhe numa versão utilizada para estudar e simular os vários cenários nas explorações espaciais. Simular // Testar // Antecipar // PreverA tecnologia permite criar modelos digitais de ambientes abrangentes que fundem dados e permite análises de todas as perspetivas para simular possibilidades. Da mesma forma, ajuda a calcular o futuro para os ambientes, permitindo tomadas de decisão mais sustentadas. Um Digital Twins poderá ser, contudo, uma concretização de uma ideia numa espécie de maquete, que visa compreender a aplicação prática.
“A tecnologia saiu há uns anos no relatório da Gartner, Top Trending Emerging Technologies, e o conceito nasce muito no dorso do caminho que fez o IoT – no fundo, da digitalização das coisas e da interconexão de todas elas na cloud”, reflete Marco António Silva, Cloud Solution Architect na Microsoft Portugal, organização que possui a sua própria solução Azure Digital Twin. O problema é que, no âmbito do crescimento do número de dispositivos e do IoT, “os sensores e atuadores vão estar a enviar coisas atomicamente, no mundo inteiro, sem contexto, levando à necessidade de criar um sistema de organização”. A partir do momento em que todas estas ‘coisas’ estão mapeadas digitalmente, pode-se atuar sobre elas, seja no mundo físico, seja no mundo simulado, em tempo real ou não. “A simulação é vista como uma maneira segura de fazer algo que é perigoso, treinar alguém ou testar uma hipótese”, e, “agora, está ao acesso de todos, porque a computação e a capacidade de processamento das hyperscallers o tornou possível”, reflete Marco António Silva. “Já vi edifícios onde os lugares das pessoas têm sensores de ocupação, para saber onde está um lugar livre”. Um estudo da Microsoft indica que 39% das organizações conheciam bem a tecnologia em 2021, dentro das quais mais de três em quatro têm uma estratégia que incorpora a tecnologia, e um quarto estão a implementar a estratégia. “É uma tecnologia simples e bastante útil; o problema em tecnologia é sempre a escala”, reflete Marco António Silva (Microsoft), e “é uma tecnologia que ainda está a evoluir e que ainda não tem um nível de maturidade estável”, que, neste momento, “funciona bem em casos industriais”. Vantagens // DesvantagensSandra Neves, Local Government Sector Lead na Esri Portugal, assevera que “são várias as vantagens da utilização de Digital Twins. O facto de serem modelos digitais permite criar ou alterar cenários, testar respostas e efetuar análises preditivas”, uma vez que “os modelos físicos são limitados no tempo e de difícil manuseamento. Não há a limitação temporal do cenário virtual, contrariamente aos modelos físicos que em poucos anos, ou mesmo meses ou dias, ficam desatualizados”.
“Quando falamos em Digital Twins, falamos também em IoT, Data Science e BIM. A integração de todos estes dados é realmente algo diferenciador”, reflete Sandra Neves (Esri Portugal). Os benefícios dos Digital Twins recaem também sobre o investimento, que poderá ser reduzido na criação dos cenários e na implementação, refere Sandra Neves. Marco António Silva completa: “Digital Twins em si não é um investimento muito grande”. Contudo, como em todas as tecnologias, importa focar no ponto da segurança, uma potencial barreira à adoção adequada da tecnologia. “Acho que é das maiores desvantagens da digitalização, no geral, e, principalmente, neste caso, que permite ter de sensores e atuadores a comunicar com um par digital na Internet. Comprometendo a central do Digital Twin, todos os devices estão comprometidos. O sistema é seguro se bem implementado e o maior cuidado que temos de ter é fazer as implementações seguindo todas as regras de segurança e mantê-lo sempre atualizado, porque a segurança não é uma coisa fixa no tempo”. Para Sandra Neves, não existem, propriamente, desvantagens, mas sim desafios. “Não diria desvantagens pois ainda não existe em Portugal uma cidade que utilize de forma recorrente os Digital Twins, que permita identificar desvantagens na sua utilização. Existem sim cidades que estão a fazer o caminho, que os levará à implementação do modelo para uma efetiva gestão do território”. Nesse sentido, Sandra Neves destaca que a tecnologia necessita, em primeiro lugar, de dados, pelo que “a recolha e tratamento de dados é para as cidades um grande desafio pelo custo associado à sua recolha e manutenção da informação”, e, em segundo, “que haja integração de vários sistemas e um objetivo a atingir”. O fator humano está, também, em cima da mesa. “Um outro desafio é a capacitação de recursos humanos para que consigam potenciar ao máximo as ferramentas”. // Smart Cities //
A adoção de Digital Twins por parte do setor público pode contribuir em larga escala para a reconstrução de cidades mais inteligentes. “Por ser digital é também muito mais flexível e adaptável o que permite fazer análises preditivas, antecipar cenários e testar as melhoras respostas aos planos e estratégias de Organizações, Cidades ou Governos”, explica a Local Government Sector Lead na Esri Portugal. “Há uma promessa muito grande das smart cities” e “os Digital Twins aplicados a smart cities são muito úteis, porque uma cidade é um ambiente extremamente complexo, com imensas dimensões, desde a mobilidade, a fornecimento energético, a consumo de água. A promessa das smart cities só é possível com Digital Twins”, diz Marco António Silva (Microsoft). Sandra Neves explica: “o desenvolvimento das cidades ou dum território terá sempre de considerar e assegurar a qualidade de vida das pessoas”, mas cada território tem a sua própria identidade e níveis de maturidade diferentes. “Falar em cidades inteligentes significa falar da melhoria das condições de vida socioeconómicas dos cidades, atenção e melhoria das condições ambientais, etc. Para isso os Digital Twins são uma ferramenta fundamental para o planeamento e gestão do território”, permitindo que se “tomem decisões garantindo-se a integridade dessa mesma identidade”. Mais, exemplifica: “quando pensamos na construção de um edifício ou de um jardim, é obrigatório pensar na sua melhor localização e impacto que terá nos cidadãos. Perceber, por exemplo, o efeito da exposição solar, ou do impacto no trânsito ou até mesmo das infraestruturas existentes ajuda na tomada de decisão inteligente”, possibilitando, também, a participação pública, fornecendo aos cidadãos toda a informação para que contribuam de forma ativa. Adoção Nacional // InternacionalApesar do nível de adoção em Portugal ser baixo ou inexistente, “estamos a caminhar nessa direção, porque cada vez mais as perguntas estão a ser feitas a um nível de granularidade mais pequeno”, refere Marco António Silva (Microsoft Portugal). “Nós temos um ADN muito inovador, e, tipicamente, em Portugal, não temos medo de entrar por estas tecnologias quando conseguimos reconhecer o potencial”.
Internacionalmente, há casos de uso em áreas como a gestão de edifícios, gestão industrial, simulação na aviação, e até mesmo em plataformas petrolíferas, “coisas que são muito caras, onde importa simular o funcionamento e até fazer gestão remota”. Em particular, Marco António Silva destaca as Smart Grids, que “têm sido um cenário muito forte em Digital Twins”. Um exemplo é a cidade de Boston que está a utilizar Digital Twins “não só para o planeamento e construção de edifícios, tendo em consideração a exposição solar, as infraestruturas existentes e previsão de custos de construção, mas também na análise de cenários preditivos de cheias, com base no histórico de informações que têm”, exemplifica Sandra Neves. É também de referir o caso do Aeroporto Amsterdam Schiphol que “utiliza Digital Twins para avaliar cenários de possíveis falhas dos seus ativos operacionais em toda a infraestrutura do aeroporto, assim como para a otimização das suas operações”, reitera a Local Government Sector Lead na Esri Portugal. Mas, agora, qual é o futuro dos gémeos digitais? Olhando para as curvas de adoção, “já passamos o hype, já descemos, e estamos a fazer o crescente da adoção”, afirma o Cloud Solutions Architect da Microsoft Portugal, que considera que os Digital Twins têm um “potencial muito para lá do que está a ser utilizado hoje”. Contudo, “estamos a começar a ver as aplicações a médio longo prazo, de tornar este tipo de tecnologia disponível e massificado”, conclui. |