Participativa, preventiva, preditiva, personalizada. Como a “Medicina P4” está a conduzir a um novo paradigma, inteiramente moldado pela informação
No sul do Brasil existem 300 mil pessoas com um défice do gene P53, também denominado de “guardião do genoma”, cuja função é a de evitar a propagação de células com defeitos genéticos. A ausência deste gene traduziu-se, durante anos, numa precoce prevalência de cancros num elevado número de pessoas deste grupo populacional e foi identificada por uma investigadora, que conseguiu assim chegar à principal causa. Por norma, estas pessoas desenvolviam cerca de 15 tumores, ao longo de toda a vida, apresentando uma esperança média de vida que rondava os 40 a 50 anos. O desconhecimento da situação levou a que o problema fosse perdurando no tempo, à medida que estas pessoas se reproduziam e o transmitiam de geração em geração. Mas como endereçá-lo, uma vez que o cancro é uma doença poligénica, onde a percentagem de risco não é de cem por cento e onde existem, sim, probabilidades, condicionadas por outros fatores, neste caso externos. “Não há ferramentas que correlacionem a carga genética, o meio ambiente e os dados da nossa história clínica”, explicou-nos Eduardo Vigil, Chief Medical Information Officer (CMO) da Everis, empresa do grupo japonês NTT Data, aquando da sua passagem por Lisboa, para participar na conferência “As TIC e a Saúde”, onde falou sobre a integração de soluções tecnológicas que recorrem a análise preditiva, ao Big Data e a inteligência artificial para auxiliar a tomada de decisões médicas, otimizar os processos e ampliar a integração de informação clínica. “Na Everis estamos a fazer uma dupla aposta, nomeadamente numa história clínica eletrónica e de fácil acesso e em como recolher e trabalhar os dados. Porque antes do Big vem o Data”. Assim, para o CMO, importa a montante entender os dados e convertê-los em informação. Conhecimento está na interação de fatores“A informação é a grande revolução tecnológica”, destaca Eduardo Vigil. “Permite praticar medicina de precisão ou personalizada, que é formada pela genética, pelos dados clínicos, hábitos do paciente e meio ambiente. A interação entre todos estes fatores é o que está a mudar. De tal modo que, pela primeira vez, as nossas moléculas começam a dialogar com os nossos dados clínicos e isso é o que nos permite dizer se aquele paciente terá determinada doença, se tem ou não sensibilidade a dado tratamento”. A medicina personalizada, ou de precisão, é um dos quatro “Ps” da “Medicina “P4”, conceito desenvolvido por Leroy Hood, pioneiro da biomedicina e da utilização da genética para tratamentos direcionados, que nos dias de hoje, graças às TIC, pode contar com ferramentas que integram métodos de diagnóstico com dados da história clínica do paciente, que correlacionam a informação interdisciplinar (para facilitar a tomada de decisões), que ajudam a definir o plano terapêutico e a farmacogenética. Existem outros três “Ps”: (medicina) participativa, preventiva e preditiva. No caso da primeira, passa por envolver o próprio paciente nos seus cuidados de saúde. “Temos de ser mais autossuficientes. O problema das pessoas mais velhas não é a medicação que têm de tomar, é a sua dependência de terceiros. Estamos a desenvolver dispositivos e aplicações que os ajudem a não se esquecerem de tomar a medicação, por exemplo”. Eduardo Vigil frisa que é urgente que se encontrem soluções, uma vez que “poucas doenças se curam, são apenas corrigidas durante algum tempo”. Esta partilha de informação está também por detrás da medicina preventiva, que recorre a ferramentas e metodologias para análises populacionais, ao processamento de dados e geração de alertas, e a aplicações móveis que educam hábitos saudáveis.
Smart UCIA Everis desenvolveu um projeto em parceria com o Serviço de Saúde da Andaluzia e com o Hospital Universitário Virgen del Rocio, em Espanha, para a criação de uma nova solução tecnológica que recorre ao Big Data e que visa melhorar a qualidade de atendimento dos pacientes em Unidades de Cuidados Intensivos (UCIs), implementando o último “P” – o da medicina preditiva. Esta solução dá acesso aos dados vitais do paciente em tempo real através de um painel de controlo único, através do qual é ainda possível estabelecer uma relação entre os dados existentes e os possíveis tratamentos a serem adotados. “Até agora não havia nada que unisse toda a informação proveniente dos diversos equipamentos de uma UCI e que a colocasse num único local, para que fosse possível visualizá- la e relacioná-la. Porque o mais importante é, sobretudo, observar os dados que estão a montante de um evento que ocorre enquanto o paciente está internado, para perceber se houve algum alerta antes dos alarmes terem disparado. Esta é uma componente deste projeto”. A segunda envolve a criação de um dispositivo no qual seja fácil introduzir os dados. “Estamos a tentar que nos momentos críticos os dados se incorporem por voz. Não interessa somente recolher a informação, é fundamental registar a ordem pela qual esta é produzida, para saber se determinada medicação produziu um efeito adverso, por exemplo”. A terceira engloba a análise de “todos os dados produzidos”, com o objetivo de estabelecer padrões de comportamento e, portanto, de tratamento. Finalmente, reforça Eduardo Vigil, pretende-se que esta ferramenta dê resposta à questão da distanásia, ajudando a “distinguir claramente quando um paciente tem capacidade de recuperação ou não. Pretendemos ter bases de dados mundiais que nos ajudem neste sentido”. |