Apesar das aplicações práticas de blockchain estarem atualmente em crescimento, ainda é necessário criar os incentivos certos e trabalhar na sensibilização dos principais decisores e atores da inovação para que Portugal possa evoluir na utilização da tecnologia blockchain.
As organizações devem adotar soluções baseadas em blockchain se o objetivo for remover intermediários da sua cadeia de valor, avaliando e determinando ainda, o retorno da tecnologia. As aplicações práticas do blockchain estendem-se muito para além das criptomoedas ou Defi (Decentralized Finance), e estão atualmente em crescimento nas áreas do comércio internacional, imobiliário, pagamentos, entre outros. Os setores que mais têm beneficiado desta tecnologia e onde se sente uma maior adesão, são os setores que vão desde a gestão de ativos (tangíveis e intangíveis), comércio local e internacional, até à monitorização de transações. Ativos como imóveis - muitas vezes limitados pela liquidez e tamanho do investimento - podem ser tokenizados, divididos e distribuídos com atrito operacional, custos de gestão e questões de segurança mínimas. A implementaçãoInternacionalmente, os casos estão mais desenvolvidos do que em Portugal. Por exemplo, na área da segurança alimentar, a Bühler desenvolveu uma estratégia de blockchain para rastrear cereais e certificar-se de que o seu produto é tratado de acordo com a legislação e regulação alimentar. Na Suíça, os serviços postais estão a fazer o rastreio de produtos farmacêuticos com IoT e blockchain, por exemplo. Em Portugal já existem empresas com soluções baseadas em blockchain que estão a operar em áreas como a rastreabilidade da cadeia de valor (BitCliq), o comércio de commodities em ecossistema (Vakt), ou mesmo os diferentes prestadores de serviços de blockchain que já têm em operação PoC e soluções piloto. No entanto, “ainda há muito por fazer e o estado tem aqui um papel central e preponderante na adoção e dinamização destas soluções. Além disso existem iniciativas europeias integradas com incubadoras como é o caso da BrightPixel no consórcio Blockstart”, afirma Rui Serapicos, Presidente da Associação da Aliança Portuguesa de Blockchain. Blockchain e o marA Bitcliq é uma startup portuguesa bluetech que aposta na transformação digital do setor primário, com especial enfoque no mar. O primeiro grande projeto desenvolvido e aplicado em contexto internacional foi uma solução inovadora para a gestão operacional de frotas de pesca industrial. Esta solução, usada por uma frota de atum de uma das maiores empresas de seafood do mundo, aplica diversas tecnologias como IoT e edge computing (para a recolha de dados a bordo dos navios de pesca), transmissão de dados via satélite e armazenamento na cloud com acessos via aplicações online para analítica em tempo quase real. Além de ser uma solução de apoio à exploração de grandes navios com capturas de mais de 30 mil toneladas anuais, O Big Eye Smart Fishing implementa também uma solução pioneira de rastreabilidade end-to-end recorrendo a uma rede blockchain Ethereum, disponibilizando assim uma nova lógica totalmente descentralizada e com garantias de imutabilidade de dados sem precedentes. Em 2018 a Bitcliq lança em Portugal, com o apoio da Docapesca, o projeto Lota Digital, o primeiro marketplace de peixe fresco, ligando diretamente os potenciais compradores aos barcos de pesca aderentes de forma transparente e 100% digital. Esta solução, que aplica tecnologias de ponta como a blockchain e inteligência artificial, une todos os intervenientes no processo, desde as capturas no mar, passando pelas transações financeiras, ao processamento e à logística e transporte de frio, culminando num contacto interativo com o consumidor através de uma smart label. Assim sendo, a curto prazo, a blockchain trouxe à Bitcliq a implementação da transparência nas transações e a imutabilidade dos dados de rastreabilidade, fatores estes, essenciais para o futuro e credibilidade de uma cadeia de valor complexa e cada vez mais pressionada pelos temas da sustentabilidade e do impacto social. Já a médio/longo prazo, Pedro Manuel, CEO da Bitcliq, acredita que é fundamental criar um sistema automático, não dependente de uma entidade central para validar as transações, mas lamenta que o estado continua a cobrar impostos e as autoridades competentes a monitorizar a licitude da atividade. “Em Portugal teremos de evoluir muito nos próximos anos, mas ainda é necessário criar os incentivos certos e trabalhar na sensibilização dos principais decisores e atores da inovação”, acrescenta. O impacto da tecnologia de blockchain“As grandes empresas comerciais do mundo inteiro reconhecem o impacto transformador da tecnologia de blockchain na operação das cadeias de valor globais, nomeadamente na gestão de operações financeiras comerciais. A blockchain permite a tokenização de documentos existentes, cartas de crédito e outros documentos alfandegários”, explica Rui Serapicos. O CEO da Bitcliq acredita ainda que “o uso desta tecnologia faz parte da arquitetura da solução. Embora nem todos os decisores percebam de tecnologia, percebem muito do seu negócio, e caso percebam que a blockchain resolve um determinado problema, acabarão por adotar a solução naturalmente” e afirma “a cibersegurança, a descentralização e erradicação de intermediários no negócio, são facetas muito interessantes para a otimização de qualquer setor, mas temos de estar bem alinhados e saber conhecer as organizações públicas existentes e a legislação em vigor, que podem não possibilitar uma mudança mais acelerada”. As maiores dificuldades desta tecnologia passam pela regulação, interoperabilidade e estandardização. Na regulação, pode ter-se como exemplo a mais recente consulta pública do Banco de Portugal para o registo de entidades que exercem atividades com ativos virtuais, em que é preciso fazer mais. Onde “mais” significa legislação que ajude os operadores nacionais e internacionais a investirem em negócios baseados em blockchain. Apesar de já existirem soluções que resolvem a interoperabilidade entre diferentes redes de blockchain, é essencial que os operadores criem soluções que ajudem os utilizadores a operarem as suas soluções de forma fácil e integrada com várias soluções. Na estandardização, já existe alguma documentação sobre standards (três documentos sob o ISO/TC 307), mas mais uma vez é importante avançar, pelo menos, com as componentes estáveis de uma arquitetura de referência e Governance. O que reserva o futuro para a tecnologia blockchain?Algumas indústrias serão mais impactadas pela tecnologia blockchain do que outras, nomeadamente as indústrias em que os seus interlocutores não queram operar mais através de intermediários. Estas indústrias incluem a saúde, a logística e governo. Até mesmo plataformas disruptivas da economia “peer-to-peer” que criaram uma dependência nas suas plataformas digitais e que atuam como intermediários, como a Uber e Airbnb, podem ser afetadas por implementações alternativas baseadas em blockchain. A tecnologia em si também tem evoluído muito em termos de performance, modelos de consenso e respetivos modelos de negócio. “E claro que as empresas nativas em blockchain irão criar negócios novos e impactar modelos de negócio já existentes”, garante o Presidente da Associação da Aliança Portuguesa de Blockchain. |