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A promessa de uma administração pública mais digital

Finalmente, o orçamento de Estado foi aprovado e com ele a execução de PRR tem agora condições para avançar. É importante entender o atual estado da digitalização do setor público em Portugal e para onde caminhamos

A promessa de uma administração pública mais digital

Fruto do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido nos últimos anos, Portugal ocupa posições dianteiras no que se refere à digitalização dos serviços públicos, figurado no Top 10 do European eGovernment Benchmark 2021 e publicado anualmente pela Comissão Europeia.

Segundo a Vogal do Conselho Diretivo da AMA (Agência para a Modernização Administrativa, I.P), Sara Carrasqueiro, “a disponibilização de serviços públicos através do canal web é, hoje, uma realidade para a maior parte dos serviços dirigidos a cidadãos e empresas”.

Alguns exemplos de serviços digitais bandeira são a abertura de empresa online, o licenciamento online de atividades económicas, a entrega de declarações de IRS com preenchimento automático, o simulador de pensões ou a receita médica sem papel. Apesar disso, em relação à penetração dos serviços públicos digitais, o mesmo estudo coloca-nos abaixo da média europeia, demonstrando a preferência de alguns cidadãos e empresas pela utilização de canais presenciais ou o insuficiente conhecimento ou capacidade para aderir aos canais digitais.

Como se fazem os investimentos

A Estratégia de Transformação Digital da Administração Pública 2016- 2020 aplicou um investimento total de cerca de 300 milhões de euros, concluindo mais de 700 projetos com um impacto estimado de cerca de 720 milhões de euros de benefícios e poupanças. A maior parte deste investimento foi alocado a novos serviços eletrónicos e inovação setorial. Por outro lado, foram concretizados projetos transversais de capacitação para a transformação digital. Entre estes projetos destacam-se:

  • Chave Móvel Digital A evolução e massificação do ecossistema de identidade digital , que disponibiliza autenticação a serviços públicos e privados assim como assinatura remota qualificada, e no Sistema de Certificação de Atributos Profissionais e Empresariais que permite ao cidadão autenticar-se e assinar documentos digitais na qualidade e com os poderes que desempenha no contexto da empresa;
  • Facilitadores de interoperabilidade, nomeadamente a evolução da iAP, plataforma de interoperabilidade da Administração Pública que suporta milhões de mensagens de dados no contexto de serviços públicos e a troca de documentos entre sistemas da Administração Pública e que viu o seu sistema de gestão de segurança reconhecido em conformidade com a norma ISO 27001;
  • Portal de serviços públicos para cidadão e empresas, eportugal.gov.pt, que permitiu criar um único ponto central com informação relativa a mais de dois mil serviços públicos, organizada em guias práticos, eventos de vida e fichas de enquadramento, disponibilizando também um assistente virtual de atendimento.
 

“Podemos esperar uma Administração Pública mais coesa e integrada, apostada em explorar os benefícios das tecnologias digitais para valorizar os dados, simplificar os seus serviços e reduzir os custos de contexto”


Sara Carrasqueiro, Vogal do Conselho Diretivo da AMA

A atual Estratégia 2021-2026 orienta-se para uma visão de “Administração Pública mais digital: melhores serviços, maior valor” procurando contribuir para a transformação da Administração Pública para que esta responda às expectativas dos cidadãos e empresas, preste serviços mais simples, integrados e inclusivos, funcione de forma mais eficiente, inteligente e transparente através da exploração do potencial de transformação das tecnologias digitais e da utilização inteligente dos dados, tendo a preocupação de garantir a confiança, segurança, sustentabilidade e o respeito pelos valores éticos da nossa sociedade.

“O respetivo Plano de Ação para o triénio 21-23, tem um investimento estimado de 643 milhões de euros, do qual cerca de 80 % proveniente do Plano de Recuperação e Resiliência, permitindo continuar e acelerar a transformação digital da administração pública e contribuir para os desafios da Resiliência; Transição Climática; Transição Digital”, explica Sara Carrasqueiro.

Por outro lado, o Orçamento de Estado, levou a um aumento do número de concursos e adjudicações. “No passado mês de maio registou-se um número de concursos públicos bastante superior aos meses anteriores de 2022, e a tendência vai ser sempre para aumentar até ao final do ano, tirando a parte dos meses referentes ao verão”, refere Fábio Silva, Business Development Manager Portugal da TendersTool.

As principais tendências na transformação digital do setor público português

  • Simplificação e redesenho dos serviços em torno de eventos de vida, recorrendo à cocriação com o cidadão e consequente transformação profunda dos processos de backoffice, interoperabilidade entre várias entidades públicas e clarificação de linguagem;
  • Reutilização de dados para evitar a necessidade de carregamento de informação ou envio de documentos e prestação de serviços inteligentes, personalizados, pró-ativos ou automáticos, respeitando os direitos de privacidade;
  • Primazia à experiência de utilização (UX), à inclusividade e à capacidade omnicanal, com o reforço ou criação de novos canais, nomeadamente aplicações, centros de contacto, atendimento por videoconferência, livechat ou assistentes virtuais, garantindo a coerência entre si e com os canais presenciais, incluindo o alargamento de soluções phygital, de que é exemplo a digital wallet nacional ID.gov;
  • Robotização dos processos de backoffice e reutilização de dados para apoio à gestão, nomeadamente através da utilização de inteligência artificial, e abertura dos dados para transparência e geração de valor;
  • Reforço da resiliência de infraestruturas, migração para a cloud e evolução tecnológica dos sistemas legados;
  • Reforço das competências digitais e das capacidades de cibersegurança, nomeadamente através de sensibilização, formação, colaboração e certificação das entidades.

Assim, é possível encontrar exemplos de iniciativas que visam concretizar estas tendências nos diversos investimentos do PRR, nomeadamente os relativos à Transição da Digital da Saúde, da Segurança Social, das Finanças, da Justiça, da Administração Pública, entre outros.

Para Fábio Silva, no que diz respeito a áreas especificas, a administração pública tem feito um maior número de investimentos nas áreas de cibersegurança, na cloud – com um crescimento que já vinha a ser notado nos últimos dois anos – e, desde março, na área das Smart Cities.

O fator cibersegurança

Segundo dados da TendersTool, é possível observar que a administração pública está a investir bastante na área da cibersegurança, sendo percetível que existe um antes e um depois da aprovação do orçamento. Existe um maior número de concursos no plano de investimento da União Europeia, principalmente no que diz respeito à área da cibersegurança, nos últimos 12 meses.

Valor dos projetos adjudicados em cibersegurança e inteligência artificial

Desde dezembro, o número de concursos registou um crescimento notável; no final de 2021, existiram 44 concursos adjudicados na área da cibersegurança, sendo que em maio passado foram registados 282 concursos.

Janeiro e fevereiro foram meses um pouco mais fracos, muito provavelmente devido à falta do orçamento de Estado. Já entre março e abril, houve um aumento exponencial a nível de concursos. Maio, continuou com o tom de crescimento.

“[Em maio] registou-se um número de concursos públicos bastante superior aos meses anteriores de 2022 e a tendência vai ser sempre para aumentar até ao final do ano””


Fábio Silva, Business Development Manager Portugal da TendersTool

 

O que esperar da transformação do setor público português

Para o futuro, “podemos esperar uma Administração Pública mais coesa e integrada, apostada em explorar os benefícios das tecnologias digitais para valorizar os dados, simplificar os seus serviços e reduzir os custos de contexto”, afirma Sara Carraqueiro.

Por outro lado, através do recurso a um modelo comum de desenho e desenvolvimento de serviços digitais, é de esperar uma atuação coordenada no processo de transformação digital, tendo em vista a qualidade, uniformidade e consistência dos serviços públicos, assim como a agilidade e eficiência dos processos de desenvolvimento e operações.

Este modelo, em desenvolvimento, consiste no conjunto de princípios, normas, guias, arquiteturas de referência e tecnologias comuns para o desenho e desenvolvimento de serviços públicos digitais e tem como público-alvo todas as entidades da Administração Pública, fornecedores de software e de serviços ou outros parceiros envolvidos na construção dos serviços digitais.

Fábio Silva, acredita ainda que, no futuro, a inteligência artificial vai crescer bastante no que diz respeito ao número de investimentos feitos pela administração pública, apesar do número de concursos ainda não percetível em Portugal. “Esta é também uma das tendências para os próximos anos, tal como o Software de Infraestrutura”, conclui.

Exemplos práticos

CLIC - Programa de Transformação Digital da Segurança Social

O CLIC – Programa de Transformação Digital da Segurança Social vem alterar o paradigma do modelo de relacionamento da Segurança Social com os cidadãos e empresas e está enquadrado na Componente 17 do Plano de Recuperação e Resiliência.

Até 2026, 85 medidas transformarão a Segurança Social que têm como objetivo garantir um relacionamento fácil, simples, direto e digital e uma gestão integrada da relação com empresas e cidadãos.

Esta ação encontra-se estruturada em três eixos:

  • Uma Segurança Social mais humana e próxima através de prestações automatizadas, contribuições simplificadas e ação social personalizada;
  • Uma Segurança Social mais digital e inovadora com uma Segurança Social Nova Geração, relacionamento inteligente e inclusivo e ainda partilha de dados;
  • Uma Segurança Social mais eficiente e robusta através de uma infraestrutura e serviços mais resilientes e uma prevenção inteligente de fraude.

Alguns dos exemplos práticos desta iniciativa são:

  • Intervenção integrada em respostas sociais: criação de um sistema integrado de gestão e controlo de acordos de cooperação, permitindo de forma desmaterializada a apresentação de candidaturas, a gestão do processo de aprovação, a gestão dos acordos e gestão de vagas. O sistema integrado permite maior eficiência no acompanhamento dos acordos e resposta aos cidadãos;
  • e-clic: Canal Único: disponibilização de um canal único, na Segurança Social Direta, para o relacionamento com os cidadãos e empresas de forma centralizada. Com um canal único, os cidadãos e empresas poderão interagir de forma mais simples com a Segurança Social e obter uma resposta mais eficiente e harmonizada. Pretende-se que no final do projeto se atinjam níveis de resposta até 48 horas;
  • Criação de modelo com base em IA e analytics para prevenção de risco: criação de um modelo integrado de prevenção do risco e fiscalização com vista ao combate à fraude e evasão contributiva e prestacional, tirando partido de soluções de IA.

eFundos – Solução Ready to use para a gestão do PRR baseada num modelo de subscrição

 

“O PRR e o PT2030 serão uma alavanca de transformação nos próximos anos””


Pedro Valente, Business Unit Manager de Funds & Investment da Axians

Segundo Pedro Valente, Business Unit Manager de Funds & Investment da Axians, a ambição das políticas públicas, centrais num país, com a ambição de Portugal e de matriz europeia, exige uma Administração Pública ágil e eficaz. Há um escrutínio crescente, mas virtuoso relativamente aos serviços públicos, em que a referência é a experiência oferecida por uma compra na Amazon ou a procura de qualquer informação no Google.

A Administração Pública pode e deve, em parceria com os agentes económicos e os cidadãos, liderar a transformação digital de serviços críticos para a sociedade.

Este é, no entanto, um desígnio com fortes implicações. Se por parte dos gestores públicos é óbvio o caminho da “transição digital”, esta é uma jornada feita de desafios estruturais, nomeadamente:

  • Escassez de recursos técnicos, internos ou mesmo externos;
  • Especial complexidade e multidisciplinaridade dos projetos de transformação digital;
  • Prevalência de soluções criadas in house, desconexas, muito customizadas e pouco evolutivas;
  • Complexidade dos processos de Contratação Pública.

Neste contexto, há claramente espaço para que soluções “ready to use” possam ser experimentadas e os seus benefícios provados.

A Gartner identifica a evolução para a contratação de “tudo como um serviço” (Anything-asa- Service) como uma das principais tendências para tornar a AP mais ágil e eficiente e nivelar os serviços com o estado da arte. Num estudo de 2021, estima mesmo que, em 2025, 95% dos investimentos da administração pública em IT serão realizados em modelos de subscrição.

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