A análise de sentimentos pode servir as empresas na melhoria da experiência dos consumidores, mas também o setor público na tomada de decisões e planeamento urbano
Satisfação, personalização, bem-estar, qualidade de vida e sustentabilidade são algumas das palavras que definem as novas tendências sociais. Apesar de ainda se estar a desenvolver a componente ética das tecnologias inteligentes, são elas que, cada vez mais, tomam conta do mercado ao serviço do ser humano. Com um grande volume de dados a ser produzido diariamente, a tendência urge as empresas e organizações a adotarem ferramentas com capacidade de análise, que utilizem, responsavelmente, os dados, com o objetivo de entender melhor o comportamento dos cidadãos e, consequentemente, servi-los adequadamente. A rápida ascensão das redes sociais, capazes de captar a expressão individual online, os perfis, opiniões e interações em tempo real, aumentou o interesse generalizado pela análise de sentimentos, campo que gerou novas oportunidades não só a nível empresarial, em marketing ou call centers, por exemplo, – podendo ser empregue em assistentes virtuais, avaliações, comentários e respostas a questionários, identificando sentimentos em tempo real e, com isso, direcionando o atendimento –, como, também, no setor público – no contexto do planeamento urbano e das cidades inteligentes, moldando os espaços consoante a satisfação e bem-estar dos cidadãos – aumentando a participação pública na tomada de decisões. 1, 0, -1Incluída na Natural Language Understanding (subdomínio da Natural Language Processing), a análise de sentimentos determina e classifica os sentimentos relativamente a uma determinada matéria, recorrendo a uma biblioteca de sentimentos, constituída, essencialmente, por adjetivos ou construções frásicas que indicam um certo sentimento. Num modelo de pontuação, identifica se as palavras ou excertos de texto são positivos (1), neutros (0) ou negativos (-1), combinado técnicas de machine learning, deep learning e inteligência artificial. “Na prática, aquilo que estamos a fazer quando encontramos, por exemplo, uma frase, é processar essa frase: perceber qual é o idioma, o que está lá escrito, que palavras é que lá estão, entender essa frase. Depois, utilizando, também, técnicas para segmentar e associar palavras que são previamente classificadas, começar a inferir o tipo de sentimento que está naquela frase ou texto – a máquina analisa e extrai um conjunto de palavras-chave, tenta dar contexto à frase e inferir o sentimento”, explica Nuno Maximiano, Artificial Intelligence Leader, Technology Unit em Espanha, Portugal, Grécia e Israel na IBM (na fotografia à esquerda). Dessa forma, permite extrair insights a partir dos dados disponibilizados pelos próprios cidadãos. “Hoje, grande parte dos cidadãos possuem smartphones – de uma forma inconsciente, acabamos por produzir informação relacionada com aquilo que fazemos no dia a dia e essa informação pode ser aproveitada para o planeamento; para urbanismo”, refere Tiago Oliveira, Diretor de Inovação e Desenvolvimento da Geoglobal e Professor na NOVA IMS, na área de Sistemas de Informação Geográfica. No seu caso, foi no Twitter que começou a jornada pela análise de sentimentos. Cidades centradas no bem-estarNo âmbito das smart cities, e de um ponto de vista académico, Tiago Oliveira reparou que “na literatura sobre cidades inteligentes faltava um pouco a componente humana – perceber de que forma é que podemos sentir o pulso da cidade e de que forma é que conseguimos a aferir ou colocar sensores nas pessoas”. A análise de sentimentos surge neste momento da sua pesquisa –numa “abordagem multidisciplinar, que envolve geografia, planeamento, urbanismo, arquitetura, sociologia, psicologia e ciências da computação”. Dentro da área da Informação Geográfica Voluntária, chegou à conclusão que o melhor sensor para estudar fenómenos humanos, da mesma forma que se mede o tráfego, a poluição ou níveis sonoros, seria ter o cidadão como um sensor que fornece informação, de forma a mapear os sentimentos e as emoções. Fê-lo através das redes sociais, que recebem observações honestas e cruas dos cidadãos, nomeadamente o Twitter, pela componente da espacialização, por um lado (devido à ativação do GPS), e, por outro, porque 80% dos utilizadores utilizam o smartphone quando entram na plataforma, indica. Tendo a georreferência, Tiago Oliveira foi capaz de atribuir a cada tweet uma pontuação de sentimento, identificando padrões emocionais dos espaços e identificando marcos emocionais ao longo da cidade, tendo em conta, também, se mudavam consoante a meteorologia, o perfil do observador (captado através da informação geral do perfil do utilizador), a altura do dia, mês e ano, o nível de conhecimento do lugar (se enquanto residente ou turista), entre outros aspetos. O Professor da NOVA IMS (na fotografia à direita) menciona, ainda, a “primeira experiência em termos de cartografia emocional e análise de sentimentos”, neste âmbito – “foi de um designer, Christian Nold - Bio mapping and emotional cartography - em 2009, um projeto piloto com cerca de dois mil voluntários, cada um deles com um bloco de notas, GPS e com um sensor de suor. À medida que a pessoa caminhava por São Francisco, nos EUA, iam apontando os seus sentimentos. Sendo um designer, o resultado foi muito impactante visualmente”. Prós vs ContrasContudo, vai além do planeamento urbano. “As máquinas e as técnicas têm avançado muito e vão continuar a avançar, mas, por detrás de qualquer iniciativa deste género, está um ou vários casos de uso que têm que ser bem estruturados e estudados”, afirma Nuno Maximiano. Acrescenta que as técnicas têm continuado a evoluir, mas há desafios persistentes. Neste aspeto, o maior problema é a incapacidade dos algoritmos de captar nuances no discurso humano, ou dimensões como o sarcasmo, em que a emoção colocada nas palavras ou a construção frásica mudam por completo a intenção do discurso. “Aqui o objetivo é, de alguma forma, dotar as máquinas da capacidade de entender aquilo que é a nossa linguagem natural, que tem muitas nuances e muitas subtilezas, na análise literal da informação”, completa. “A forma mais adequada de contornar isto é com exemplos previamente classificados e, por isso, quanto mais conseguir ensinar a máquina e for validando se acerta ou não, a própria máquina consegue ter uma grau de assertividade maior, começando a entender que há um sentido diferente da interpretação literal. Tudo isto exige um processo de treino interativo, de alimentação de maquina, aprendizagem, testes e provas, correções, etc.”, explica Nuno Maximiano (IBM). O desafio prende-se, ainda, com subtilezas dos idiomas, em que, em alguns casos, a vocalização dá significado à palavra. Tecnologia responsávelNuno Maximiano explica que há dois fatores inibidores da adoção deste tipo de projetos. Num primeiro plano, “a forte tendência para a privacidade de dados das pessoas, por outro, naturalmente, existem organizações que adotam este tipo de tecnologia para poderem usar essa informação de forma responsável, mas é fácil cair na tentação de anunciar uma determinada política, capitalizando essa política para o sentimento positivo, independentemente dos impactos que isso possa ter no planeamento e na coesão territorial”. Uma preocupação presente na adoção da análise de sentimentos diz respeito à falta de qualidade dos dados, necessariamente subjetivos e, potencialmente, tendenciosos. Especialmente no caso da recolha de dados das redes sociais, a análise pode ser enviesada uma vez que a amostra não é representativa da população real ou da opinião pública, mas de uma porção de pessoas que utilizam a rede social em questão. As questões éticas, como em qualquer técnica que recorra a tecnologias inteligentes, “têm que ser sempre muito bem ponderadas e geridas”, continua. Contudo, “há um potencial de que o benefício seja gigantesco”. O perito da IBM refere que a maior parte dos projetos e iniciativas no âmbito das cidades estão muito ligados aos países anglo-saxónicos. Já em Portugal, houve alguns projetos pilotos, “mas nada de relevante em termos de projetos concretos”, uma vez que, “embora em Portugal se perceba bastante o valor deste tipo de abordagem, existe ainda alguma resistência a massificar”. Quase como um referendo instantâneo, “este tipo de iniciativas têm muito mérito”, tendo em conta que “permitem auscultar os cidadãos de forma rápida e perceber o sentimento de grupos da população, sem fazer um tradicional estudo de mercado”, declara Nuno Maximiano. Para o futuro, Tiago Oliveira acredita que a análise de sentimentos “vai começar a ser olhada no sentido de melhorar o desempenho das cidades e pode passar a funcionar de forma voluntária, com o cidadão a fornecer de livre vontade a sua informação, com as devidas precauções a nível de segurança”. Nuno Maximiano conclui, ressalvando que “este é um novo mundo bastante interessante e com muito potencial de geração de valor, seja ele para as organizações com fins lucrativos, para os serviços públicos, para o próprio planeamento da coesão territorial, um desafio tão grande que temos em Portugal; mas os fatores éticos são muito importantes e, portanto, é importante ter pessoas que saibam da tecnologia, mas também que percebam de cada um dos casos de uso para extrair o melhor valor. Isso é crítico”. |