Smart living: a transformação digital em larga escala

Tal como o processo de digitalização de qualquer organização, a transformação das cidades para smart cities é tão crucial como desafiante

Smart living: a transformação digital em larga escala

Com uma parte cada vez maior da população a viver nas cidades, e com a crescente complexidade destas, garantir a qualidade de vida, a sustentabilidade e o funcionamento adequado aos serviços urbanos é apenas alcançável através da digitalização.

Apesar de o conceito de smart city ainda estar em processo de consolidação, este não deixa de ser um processo de transformação digital como qualquer outro – procurando o uso da tecnologia, e dos dados em particular, para melhorar processos, reduzir custos e apoiar a tomada de decisão.

A forma que isto toma pode variar de acordo com os recursos e desafios de cada cidade – da mobilidade urbana à saúde, gestão de resíduos, sustentabilidade, segurança pública e qualidade de vida.

“As cidades têm que se adaptar aos novos paradigmas da eficiência e sustentabilidade, conjugados com a qualidade de vida, mantendo a humanização dos espaços de forma a continuar a atrair e reter os seus habitantes”, comenta Luis Teodoro, Board Member da Softfinança. “Desta forma, encontrar o equilíbrio destes fatores é um desafio transversal a todas as cidades, independentemente do estado de evolução em que se encontrem”.

O caminho a percorrer

Aquele que é o desafio mais universal que as cidades procuram resolver é a desburocratização e desmaterialização dos seus serviços e processos existentes – essencial não só para o seu próprio funcionamento como para a implementação viável de novas soluções. Em alguns municípios de menores dimensões isto pode inclusivamente ser o principal, se não mesmo o único, objetivo da digitalização, enquanto que em outros é apenas a base para a implementação de soluções mais avançadas. Em todos os casos, a simplificação e centralização dos sistemas de informação é um passo indispensável para a criação de serviços municipais alinhados com as necessidades dos municípios e dos seus habitantes.

 

Joana Miranda, responsável de Administração Pública e Saúde da Minsait em Portugal

No entanto, comenta Joana Miranda, responsável de Administração Pública e Saúde da Minsait em Portugal, “a capacidade de investimento e a coordenação do mesmo (em especial ao nível das comunidades intermunicipais) é o maior desafio. Isto porque, mais do que cidades, falamos em territórios e estes projetos deverão sempre ser ao nível de áreas metropolitanas ou comunidades Intermunicipais”.

“Os municípios e todos os seus stakeholders – munícipes, colaboradores, diretores, vereadores, empresas municipais e serviços centrais na cidade – têm de estar envolvidos no mesmo propósito”, alerta Joana Miranda. “Depois disso falta saber o que temos de fazer e começar a fazê-lo de forma ágil e ir ajustando às circunstâncias e contexto”. Isto torna-se particularmente desafiante, acrescenta ainda a responsável, porque os ciclos de quatro anos aos quais estão subordinadas estas iniciativas dificultam a execução de projetos a longo prazo com altos níveis de investimento.

“Na generalidade, as cidades portuguesas têm vindo a trabalhar para que a sua gestão seja mais bem-sucedida e a informação captada se torne em informação útil”, refere Luís Teodoro. “Há ainda um longo caminho a percorrer, mas temos vindo a testar vários tipos de abordagens e aplicação destes conceitos, como por exemplo ao nível da mobilidade, da recolha dos resíduos urbanos, da qualidade do ar, da eficiência das redes de transportes públicos, da comunicação com a comunidade local, e tantas outras, que a partilha dos sucessos alcançados é fundamental para que a adoção das melhores práticas seja mais rápida, encurtando assim algum atraso que temos”.

Dados

Reunir e analisar dados do consumidor em tempo real é essencial para iniciar a transformação da cidade inteligente. A procura pela analítica está em constante crescimento, devido à grande quantidade de dados acumulados pela indústria e pelos municípios, assim como pela capacidade de os utilizar para tomar decisões informadas e melhorar o ambiente público.

Nos últimos anos, a inteligência artificial foi introduzida nos serviços públicos de inúmeras cidades em todo o mundo, em áreas como controlo de tráfego, monitorização da qualidade do ar, iluminação pública inteligente, etc..

Em cidades como Xangai ou Singapura, por exemplo, a tecnologia de reconhecimento facial está já a agilizar a compra de bilhetes e pagamento de passes de viagens de forma contactless.

Luis Teodoro, Board Member da Softfinança

 

“Neste contexto, a sensorização e alarmística em tempo real são fundamentais para podermos antever eventuais alterações e consequentes ajustes, bem como antevermos eventuais necessidades futuras tendo por base os modelos preditivos que a gestão da informação agora nos torna possível”, acrescenta Luis Teodoro. “Sem uma forte conectividade teremos dificuldade em ter um detalhe dessa informação através da recolha em tempo real dos dados e, por outro lado, poder atuar remotamente em tempo real. Esta conetividade assume agora um papel fundamental, abrindo-se assim caminho para um maior número de soluções que irão, entre outros, contribuir para o nosso bem estar e segurança”.

Como tal, um dos fatores mais fulcrais para o sucesso de qualquer projeto de smart city são os recursos de computação, agregados na cloud ou em data center, ou descentralizados no edge, consoante as necessidades específicas de cada aplicação. Para o processamento e tomada de decisões em tempo real, o edge computing, enquanto complemento da cloud, é a opção ideal, oferecendo baixa latência para uma rápida tomada de decisões em aplicações críticas. Por outro lado, para uma análise contextualizada desses dados, bem como para a gestão integrada e holística de todos sistemas, é necessário agregar e tratar todos estes dados na cloud.

Tendo em conta os enormes volumes de dados que as smart cities geram, a integração, armazenamento e análise dos mesmos requer altos níveis de computação apenas possíveis com recurso à cloud. Numa cidade, a tendência é sempre para a centralização, de forma a tomar o maior partido possível dos dados na tomada de decisão, com total visibilidade dos sistemas e extração de insights que assistam no planeamento urbano.

É também necessário que os recursos computacionais sejam escaláveis, não só para permitir a integração de novas workloads como também para dar resposta aos picos de tráfego de dados a curto prazo, o que apenas a cloud permite sem requerer um grande sobredimensionamento da capacidade computacional.

Contudo, é necessário um balanço entre a centralização na cloud e a velocidade do edge. Para dados que requerem rápida resposta, e não exigem integração com outros dados, o edge é ideal – por exemplo, em radares de velocidade associados a semáforos. Por outro lado, se queremos integrar dados provenientes de vários sistemas, a cloud é a solução mais viável. A integração destes dois componentes é, assim, vital para o funcionamento de uma cidade verdadeiramente inteligente.

Segurança

Cidades mais digitalizadas e conectadas oferecem serviços mais eficientes e maior qualidade de vida aos seus habitantes. Trazem, também, mais vulnerabilidades. É frequente que os dispositivos de IoT não ofereçam a segurança adequada para a sensibilidade dos dados tratados, especialmente em iniciativas isoladas, projetos piloto, ou mesmo sistemas sofisticados desenvolvidos a partir de projetos não pensados para tais dimensões.

Outro potencial efeito colateral das cidades mais conectadas é, naturalmente, a redução da privacidade. A organização sem fins lucrativos Carnegie Endowment for International Peace descobriu que 176 países estão a usar ativamente tecnologias de IA para fins de vigilância. Apesar das vantagens que isto traz em termos de alocação e eficiência da segurança pública, as cidades devem ter cuidado para que os sistemas de monitorização em tempo real que desenvolvem – bem como qualquer outra solução inteligente que utilize dados dos habitantes – sejam concebidos com a privacidade em mente.

Um dos principais debates relativos à privacidade de dados das cidades ocorreu em 2019 com o projeto Quayside, proposto pela Sidewalk Labs, em Toronto. Este projeto prometia a construção de um bairro altamente inteligente, eficiente e sustentável, através dos dados e inteligência artificial. O falhanço do projeto foi influenciado por vários fatores, incluindo a crise económica associada à pandemia de COVID-19, mas um dos principais fatores foi a descoberta de que a Sidewalk Labs pretendia vender dados não anonimizados recolhidos na cidade a terceiros para usos publicitários, algo já intrínseco ao modelo de negócio deste projeto. Enquanto este exemplo é, por motivos legais, improvável de ocorrer na Europa, não deixa de ilustrar como o conceito de cidades conectadas, e de tecnologias inteligentes no geral, é vulnerável de raiz relativamente a violações de privacidade e segurança de dados, sejam estas acidentais ou deliberadas.

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