A nova vida da IA

Os modelos de linguagem de grande escala chegam às aplicações empresariais

A Inteligência Artificial (IA) tem sido objeto de estudo e desenvolvimento ao longo de várias décadas, e as suas aplicações têm-se vindo a expandir de forma sistemática a vários setores, como motores de recomendação nos sítios de comércio eletrónico, análise de sentimentos, atendimento ao cliente, deteção de fraude, segurança informática, logística e cadeia de abastecimento, marketing e publicidade, manutenção preditiva e agricultura de precisão, entre outros

Os modelos de linguagem de grande escala chegam às aplicações empresariais

Sistemas generativos

À medida que a IA avança e se diversifica em várias aplicações empresariais, uma nova geração de algoritmos está a emergir: os sistemas generativos. Estes apresentam uma abordagem híbrida, combinando métodos de aprendizagem supervisionada e não supervisionada, o que lhes permite tirar proveito do melhor de ambos os paradigmas de aprendizagem. Na aprendizagem supervisionada, os algoritmos são treinados com um conjunto de dados rotulado, ou seja, com exemplos de entrada e saída correspondentes, permitindo que o modelo aprenda a mapear a relação entre os dados de entrada e os resultados desejados. Já na aprendizagem não supervisionada, os algoritmos são expostos a dados não rotulados, com o objetivo de identificar padrões, agrupamentos ou estruturas subjacentes, sem qualquer orientação prévia.

Ao combinar estes dois métodos, os sistemas generativos são capazes de aprender a partir de grandes quantidades de dados, tanto rotulados quanto não rotulados, e gerar conteúdo original e relevante com base nas informações adquiridas durante o processo de treino. Esta abordagem híbrida permite que os sistemas generativos se adaptem a diferentes tipos de problemas e contextos, proporcionando uma maior flexibilidade e capacidade de generalização em comparação com algoritmos que utilizam apenas aprendizagem supervisionada ou não supervisionada. Essa combinação de técnicas de aprendizagem faz com que os sistemas generativos sejam capazes de criar soluções inovadoras e de alta qualidade, mesmo em cenários complexos e dinâmicos, por exemplo de interação em tempo real. Esta evolução representa uma mudança significativa no panorama da IA, abrindo portas para novas oportunidades – e também desafios – no mundo empresarial.

A aplicação de sistemas generativos em áreas como a criação de conteúdo, design de produtos e soluções personalizadas tem o potencial de revolucionar a forma como as empresas abordam a inovação e a interação com os seus clientes. Com a ascensão dos sistemas generativos e o seu impacto no mundo empresarial, surgiu um subconjunto específico de algoritmos de IA que está a mudar completamente a forma como interagimos com sistemas de informação: os Modelos de Linguagem de Grande Escala (LLMs), como os GPT-3 e GPT-4 da OpenAI. 

 

A aplicação de sistemas generativos em áreas como a criação de conteúdo, design de produtos e soluções personalizadas tem o potencial de revolucionar a forma como as empresas abordam a inovação e a interação com os seus clientes

Os LLMs têm origem no campo do processamento de linguagem natural (NLP), uma área da IA que se concentra na interação entre linguagem humana e os computadores. A evolução dos LLMs tem sido marcada por avanços significativos em arquiteturas de redes neuronais e técnicas de aprendizagem profunda, bem como pela disponibilidade de enormes conjuntos de dados de texto e poder computacional crescente, nomeadamente nos centros de dados da cloud. Esses fatores combinados permitiram o desenvolvimento de modelos cada vez mais sofisticados, capazes de interpretar e gerar texto de forma bastante próxima do que é associado à criação por humanos. 

Uma ideia fulcral

Um dos principais avanços a impulsionar o aparecimento dos LLMs é a arquitetura dos Transformers, originalmente desenvolvida por investigadores da Google. Os Transformers são uma classe de modelos de redes neurais profundas que foram introduzidos em 2017 e que usam uma arquitetura baseada em mecanismos de atenção para permitir que o modelo identifique e pondere informações relevantes dentro de um texto, sem depender de uma ordem fixa para processar as entradas. Isso significa que podem ser processadas sequências de comprimento variável sem perder informação importantes.

Os Transformers são especialmente úteis para tarefas que exijam uma compreensão profunda do contexto, como tradução automática, geração de texto e análise de sentimentos. Aliás, originalmente, a arquitetura foi testada precisamente em tarefas de tradução automática, tendo sido alargada posteriormente a muitos outros contextos de aplicação.

Essa capacidade de focar nas partes relevantes do texto ajuda a tornar os Transformers mais eficientes e precisos em comparação com outras arquiteturas de redes neuronais. Graças a esta abordagem inovadora, os LLMs baseados em Transformers têm demonstrado um desempenho notável em várias tarefas de processamento de linguagem natural, contribuindo para a rápida adoção desses modelos em aplicações empresariais e outros domínios.

A evolução dos LLMs é resultado de investimentos em investigação e desenvolvimento ao longo de muitos anos, bem como da crescente disponibilidade de dados provenientes de muitos serviços Web e do aumento do poder computacional da cloud. A IA e os LLMs têm sido aplicadas em diversos setores, desde a indústria automobilística até o setor financeiro. Por exemplo, os fabricantes de automóveis utilizam IA para melhorar o sistema de condução autónoma dos seus veículos, enquanto inúmeros serviços utilizam já os LLMs para oferecer assistência virtual aos seus clientes.

A evolução previsível

O próximo passo para o que está a acontecer neste espaço é uma democratização, se assim se pode chamar, do acesso a esta nova geração de sistemas. Por enquanto, uma grande parte deles está ainda com muitas restrições de acesso ou não é de fácil aplicação em termos empresariais, por causa de poder apresentar problemas sérios de privacidade de dados. Aliás, a OpenAI alerta para esse facto precisamente, e promete, para os próximos meses, uma versão empresarial. Uma das principais questões levantadas prende-se com o facto de os dados introduzidos pelos utilizadores poderem ser usados para treinar futuras versões dos sistemas. Esta não é uma questão trivial, já que assim poderão ser revelados significativos segredos empresariais, com uma difícil, se não impossível, correção posterior.

A comunidade de código aberto está a trabalhar ativa e afincadamente em modelos que podem ser usados diretamente pelas empresas, sem recorrerem a serviços de terceiros. As empresas com mais recursos tecnológicos poderão seguir tal via. Não é previsível que pequenas ou médias empresas de setores não tecnológicos o possam fazer, por possível falta de recursos humanos especializados, capazes de tirar partido de tal tecnologia.

O mais previsível é que, à semelhança do que a Microsoft está a começar a fazer integrando IA aceleradamente no Office 365, os outros fabricantes venham a fazer também. A questão da confidencialidade dos dados estará, provavelmente, cada vez mais coberta dentro dos contratos de nível de serviço. Também é evidente que os governos, nomeadamente os europeus, tenderão cada vez mais a uma clarificação das regulamentações para o setor. O ordenamento de que dados podem ou não ser usados para treinar modelos, e em que condições passarão a estar na ordem do dia, como uma extensão natural do Regulamento Geral de Proteção de Dados.

Implementar e integrar a IA e os LLMs num ambiente empresarial requer uma abordagem estratégica e uma gestão cuidadosa. Algumas etapas cruciais incluem identificar as áreas de aplicação e potencial retorno sobre o investimento, estabelecer parcerias com especialistas e fornecedores de tecnologia, investir na formação e atualização das competências dos colaboradores e implementar mudanças organizacionais, abordando questões de privacidade e segurança.

À medida que as tecnologias de IA e LLMs evoluem, espera-se que a colaboração entre empresas, governos e instituições académicas aumente, impulsionando a inovação e a adoção generalizada dessas tecnologias. A integração da IA em processos empresariais exige abordagens multidisciplinares. A natureza desta tecnologia, que em muitas áreas se assemelha mais à introdução de um novo colega de trabalho muito sapiente, mas muito inexperiente, exigirá, decerto, processos de gestão de mudança muito profundos e bem ponderados.

A IA e os LLMs têm o potencial de transformar o ambiente empresarial, oferecendo oportunidades significativas para melhorar a eficiência, inovação e experiência do cliente. No entanto, é crucial que as empresas abordem os desafios e questões éticas e sociais relacionados ao uso dessas tecnologias, adotando uma abordagem responsável e sustentável. E é crucial, sobretudo, que aprendam a navegar neste campo em rápida mudança, sem perderem o foco, adquirindo capacidade de atuação e de integração da IA nos seus processos de negócio, com uma visão multidisciplinar, já que a IA não é apenas mais uma tecnologia. É sobretudo a visão de uma forma nova e muito diferente de colaborar e produzir. 

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