O propósito específico da inteligência artificial

Inteligência Artificial (IA) está cada vez mais na ordem do dia. Assistentes pessoais e carros autónomos são dois exemplos que normalmente as pessoas se lembram quando se fala deste tema. Mas a inteligência artificial é muito mais do que apenas e só isso. É uma panóplia de soluções e aplicações que melhoram a sociedade

O propósito específico da inteligência artificial

Aviação, gestão de frotas e serviços financeiros são apenas algumas das áreas onde a inteligência artificial já está a ser fortemente utilizada. Mas a segurança pública, a saúde e atendimento aos clientes são, também, setores que podem (e já estão) aproveitar aquilo que a IA tem para oferecer.

Inteligência artificial é a capacidade de um computador ou um robô de realizar tarefas que estão regularmente associadas a seres inteligentes. Applied AI, ou inteligência artificial aplicada, é regularmente definida como uma aplicação de IA para permitir um sistema que reproduza e, em certos casos, ultrapasse a inteligência humana para um propósito específico.

 

A adoção de inteligência artificial por parte das organizações tem vindo a aumentar. À medida que se vai descobrindo mais aplicações e se vão desenvolvendo novas soluções, a IA em termos gerais tende a desaparecer e evoluir para aquilo que é a inteligência artificial aplicada.

 

Aviação

A inteligência artificial tem cada vez mais aplicações na sociedade atual. Um dos primeiros casos é a aviação. Hoje em dia, um capitão não dirige o avião durante grande parte do trajeto, sendo o seu papel mais de reação a uma determinada crise.

O sistema, alavancado por inteligência artificial, faz grande parte da viagem, mantendo o avião estável desde o ponto A até ao ponto B.

Mas a inteligência artificial aplicada à aviação vai para além do ‘simples’ piloto automático. A Airbus, por exemplo, está a trabalhar no programa AI Gym que permite transcrever as comunicações entre os aviões e as torres de controlo.

A aviação na Europa tem um problema de linguagem: são muitas as companhias áreas, com diferentes nacionalidades, que falam um inglês com sotaques acentuados. No entanto, as comunicações, que incluem bastante ruído, são habitualmente rápidas e cheias de vocabulário específico. O objetivo do AI Gym é fornecer uma transcrição total do áudio para que seja facilmente percetível por parte da torre de controlo a mensagem que os pilotos estão a passar.

A inteligência artificial está, também, a tentar evitar futuros desastres aéreos. Possibilitada através de machine learning e analítica baseada em IA, a NASA está envolvida num projeto focado em identificar aquilo que chama de “operações anómalas” dentro dos dados da aviação comercial para que seja possível identificar potenciais problemas catastróficos nos aviões.

 

Educação

Ponto prévio: a inteligência artificial não vai substituir os professores; vai trabalhar lado a lado com os docentes. O relatório “Artificial Intelligence Market in the US Education Sector” estima que a inteligência artificial na educação norte-americana cresça 47,5% entre 2017 e 2021. Os especialistas acreditam que a presença dos professores é imperativa, mas vão existir alterações no trabalho do docente e nas melhores práticas educacionais.

Na educação, a IA já foi aplicada em algumas ferramentas que ajudam a desenvolver competências e em sistemas de teste. No entanto, à medida que as soluções educacionais que contam com este tipo de tecnologia continuam a amadurecer, espera-se que a IA possa ajudar a preencher as lacunas nas necessidades de aprendizagem e tornar o trabalho do professor e das escolas ainda mais importantes.

Como? A inteligência artificial pode impulsionar a eficiência e a personalização, pode agilizar tarefas administrativas para permitir que os docentes tenham o tempo e a liberdade necessários para compreender e se adaptarem, capacidades essas que não podem ser substituídas por máquinas.

Ajustar o ensino às necessidades de cada estudante foi sempre um objetivo das escolas, mas o tamanho das turmas, que envolvem alunos distintos entre si, torna essa tarefa quase numa utopia.

Por outro lado, a inteligência artificial vem permitir um certo nível de diferenciação que é impossível para um professor que conta normalmente com mais de 20 alunos por turma.

Já existem várias empresas que estão a desenvolver plataformas digitais que utilizam IA para ensinar, para realizar testes e receber feedback dos alunos. Deste modo, os alunos são expostos a desafios para os quais estão verdadeiramente preparados, identificando simultaneamente as lacunas no seu conhecimento, e redireciona para novos tópicos que são relevantes para a educação do aluno.

Num futuro talvez não tão distante, a IA será capaz de ler a expressão do rosto do aluno e perceber se está a ter dificuldades em perceber uma determinada matéria.

 

Investigação médica

Existem doenças que são conhecidas há dezenas – ou mesmo centenas – de anos, mas a sua cura tarda em chegar.

A investigação médica tem como trabalho desconstruir uma doença, analisar todos os seus pormenores, e arranjar a melhor solução. Com a capacidade da IA de analisar milhares de dados em segundos ou minutos, aliado ao facto de que nunca se cansa, é fácil de perceber que a inteligência artificial é uma componente importante na medicina.

Através do centro de supercomputação de Barcelona, a Lenovo está a auxiliar na investigação a uma larga variedade de doenças. Rick Koopman, EMEA HPC and AI Technical Leader do Lenovo Data Center Business Group, explica que atualmente a inteligência artificial só não consegue fazer o que requer emoção, o que significa que, nesses casos, precisa sempre de um humano.

Os sistemas de inteligência artificial são bastante bons em análise de imagem. Koopman dá o exemplo dos problemas oculares. São analisadas milhões de retinas, algo que um humano não consegue fazer por duas razões: vai acabar por ficar cansado e, ao fim de algum tempo, verá tudo da mesma maneira, não notando diferenças entre as várias imagens que está a analisar.

Por seu lado, a IA nunca se cansa e verá sempre as diferenças que existirem entre as imagens, melhorando a perceção necessária para uma investigação médica que se baseia na análise de imagens.

“Os especialistas estão a olhar para tomografias ou neurografias e têm de determinar se há alguma coisa de errado com aquela imagem”, refere Rick Koopman. “Mas é preciso ter algo em conta: o médico não tem de ver apenas a vossa imagem; tm de ver as imagens de dez ou vinte pacientes por hora. Se tiverem de passar por isso, espero que sejam um dos primeiros que o médico vê”.

Koopman explica que, neste caso, a inteligência artificial está bem estruturada e ensinada e tem sempre os mesmos standards de qualidade; vai detetar anomalias com a mesma qualidade no primeiro e no último paciente do dia. “Deste modo, estamos a salvar vidas”, afirma.

Em termos gerais, as ferramentas de IA conseguem suportar os médicos e fornecer sugestões de diagnóstico mais rapidamente, assim como analisar dados de casos semelhantes e sugerir numa questão de segundos qual o tratamento mais adequado ao paciente, já tendo em conta todo o seu historial médico.

 

Música

Hoje em dia acabamos por, de uma maneira ou outra, ter soluções de inteligência artificial quando ouvimos uma música. Se utilizarmos serviços como o Spotify ou Apple Music, existe uma componente de inteligência artificial que nos sugere a próxima música que não conhecemos e que provavelmente vamos gostar. Mas IA aplicada à indústria musical vai muito para além disso.

É um facto que a maioria das pessoas não associa o processo criativo da criação de uma música a inteligência artificial; afinal, como é que uma máquina consegue fazer algo que é tipicamente associado a criatividade?

Para a maioria das pessoas é assustador pensar que a inteligência artificial pode compor uma música.

No entanto, o software de criação de música com inteligência artificial avançou muito nos últimos anos. Atualmente, é uma ferramenta que está a ser utilizada por produtores para ajudar no processo criativo.

Nos anos 90, David Bowie ajudou a desenvolver uma aplicação chamado Verbasizer que utilizou fontes literárias para reordenar palavras aleatoriamente e, assim, criar novas combinações para utilizar em letras para músicas.

Não há muito anos, em 2016, a Sony utilizou o software Flow Machines para criar uma melodia ao estilo dos Beatles. Depois, o compositor Benoît Carré desenvolveu uma canção pop intitulada “Daddy’s Car”.

Atualmente, os programas de produção ou criação de música com inteligência artificial não são assim tão raros. Já existe uma verdadeira indústria de serviços IA para criação de música. Para além do Flow Machines, é possível encontrar no mercado o IBM Watson Beats, o Google Magenta’s NSynth Super, Jukedeck, Melodrive e Amper Music, entre outros.

A eterna questão será se a máquina consegue ultrapassar a criatividade humana e fazer uma música boa. Mas aí entramos noutro assunto: o que faz uma música ser boa? Depende sempre do gosto de cada um.

 

Segurança pública

Todos os cidadãos se querem sentir seguros na sua cidade. Muitas das cidades do mundo ocidental são seguras, mas há sempre uma taxa de crime associada, ainda que em alguns casos seja relativamente pequena.

Andrew Sinclair, Corporate Vice President and General Manager for the Software Business da Motorola Solutions, referiu que já existem uma série de aplicações disponíveis que contam com inteligência artificial para proteger os cidadãos.

A Motorola tem soluções que permitem, através de inteligência artificial, analisar as matrículas dos veículos e perceber numa questão de segundos se o proprietário daquele veículo está a ser procurado por algum tipo de crime ou se, simplesmente, tem alguma multa por pagar.

Andrew Sinclair explicou à IT Insight que a empresa tem, também, um sistema que integra as câmaras de vigilância espalhadas pela cidade. Este sistema tem um objetivo: analisar milhares de imagens e perceber se existe algum problema a decorrer, como um incêndio

“O sistema pode perceber se existe alguma coisa fora do normal naquela imagem. No caso de um incêndio num prédio, ao aparecer o fumo, o sistema pode alertar logo os bombeiros para que tomem as devidas medidas”.

Este mesmo sistema também permite, por exemplo, ajudar a encontrar uma criança que se tenha perdido dos seus encarregados de educação. É possível, diz Sinclair, comparar as caras das pessoas captadas pelas câmaras de vigilância com uma fotografia da criança desparecida e, assim, reconstituir os seus passos, facilitando a busca.

 

Serviços financeiros

Desde a crise que começou em 2008 que os bancos têm olhado de forma diferente para os créditos que dão. É aí que entra, desde logo, a inteligência artificial. Tendo em conta que IA aprende com base em dados do passado, é natural que a tecnologia tenha sucesso no campo dos serviços financeiros, onde são mantidos os registos de todas as transações realizadas.

Utilizando o exemplo dos cartões de crédito, são utilizados métodos de pontuação para decidir quem está ou quem não está elegível para ter acesso a um cartão de crédito. No entanto, este modelo não é exatamente a forma mais eficiente.

Ao analisar milhares de transações financeiras de várias pessoas, o banco terá acesso a uma recomendação do empréstimo a ser oferecido ao cliente e com que taxas.

A utilização de inteligência artificial vai para além disso. Em deteção de fraudes, a IA pode utilizar o comportamento de despesas anteriores em diferentes instrumentos de transação para anotar comportamentos estranhos, como usar um cartão num país e utilizar o mesmo cartão segundos depois noutro país totalmente diferente.

Como está em constante aprendizagem, o facto de ser um funcionário humano a rever os alertas apontados pelo sistema faz com que o próprio sistema aprenda da melhora maneira o que afinal é, ou não, uma fraude financeira.

 

Transportes públicos

Autocarro, comboio e metro são os transportes públicos mais utilizados pela generalidade da população. Cada um tem os seus defeitos e as suas virtudes. Ainda que a IA possa não resolver todos os problemas – pelo menos por enquanto –, já existem utilizações da tecnologia no dia a dia dos utilizadores deste tipo de transportes.

A SISCOG é uma empresa portuguesa que, desde 1986, se dedica ao desenvolvimento de software para o planeamento e gestão otimizados de frotas, horários e staff de empresas de transporte, principalmente ferroviário.

Ricardo Saldanha, Diretor de Inovação da SISCOG, refere que a inteligência artificial está “na génese da própria SISCOG”.

“A empresa nasceu, não como resposta a uma necessidade de mercado particular, mas com a convicção de que a IA era uma tecnologia adequada para resolver problemas do mundo real que outras tecnologias não conseguiam resolver”, explica.

A empresa desenvolveu sistemas que realizam tarefas que, por serem complexas e requererem inteligência, “eram feitas por peritos humanos com ao auxílio de instrumentos básicos como lápis e papel”.

Nas décadas de 80 e 90, a tecnologia era importante para desenvolver os sistemas inteligentes, nomeadamente na área do planeamento e gestão otimizados de recursos. A IA tinha um papel fundamental.

“Nessa altura a ambição era obter em dias ou horas – consoante a complexidade do problema – aquilo que os peritos humanos demoravam meses a conseguir, ou seja, obter em dias ou horas soluções com o mesmo grau de otimização que os peritos humanos conseguiam obter manualmente após meses de trabalho”, esclarece Ricardo Saldanha.

Atualmente, as soluções da SISCOG incorporam outras tecnologias que permitem “tirar partido da estrutura do problema para orientar o processo de resolução do problema na direção certa” e consegue em horas, ou mesmo minutos, “um grau de otimização que os peritos humanos nunca conseguiriam obter, mesmo que dedicassem uma vida inteira a resolver o problema”.

O diretor de inovação dá como exemplo a NS, empresa de caminhos de ferro holandeses. “Mediante previsões meteorológicas adversas para o dia seguinte, a NS consegue reprogramar em duas horas por completo os turnos dos maquinistas e revisores – detalhados ao minuto – por forma a adaptar-se a um horário especial feito à medida das condições meteorológicas do dia seguinte”, diz.

Ricardo Saldanha esclarece, ainda, que sem a componente de inteligência artificial “a NS teria que manter os horários e relegar para o dia da operação a gestão dos imprevistos com as consequências graves que isso poderia trazer, nomeadamente o cancelamento de demasiados comboios sem aviso prévio”.

 

Apenas o ponto de partida

É preciso ter em conta que o desenvolvimento de aplicações com inteligência artificial está relativamente no início. O ‘boom’ desta tecnologia começou há poucos anos e é de esperar que mais e mais ideias surjam no mercado.

Todos os exemplos aqui demonstrados são, cada um à sua maneira, inovadores, mas, como em tudo o que é tecnologia, daqui a uns anos será consideravelmente obsoleto.

Este é apenas o ponto de partida daquilo que a inteligência artificial pode fazer em algumas indústrias.

Existem muitos exemplos do que é que a IA pode fazer pela humanidade em muitos outros setores. Alguns desses exemplos já existem no nosso dia a dia.

Com o machine learning e o processamento de linguagem natural a melhorar de dia para dia, é de esperar que a inteligência artificial vá melhorando. Juntando a capacidade de interações rígidas com sistemas de registo, por exemplo, as atuais formas mais avançadas de IA aplicada vão muito além da procura em bases de conhecimento e da simples automatização de tarefas de rotina para relacionar e expor informações relevantes.

É de esperar que, no futuro, a inteligência artificial seja ainda mais conversacional e mais focada em determinados processos ou temas. Tal como foi referido, este é apenas o ponto de partida. Um sistema de inteligência artificial será, à partida, o caminho a tomar neste mundo da IA.

Uma IA com uma abordagem mais ampla poderá não ser tão precisa, não ter o conhecimento suficiente ou exigir uma grande quantidade de personalizações. Por outro lado, temos um sistema aplicado a um determinado setor ou problema; é um facto que um sistema de IA aplicada poderá ser demasiado restritiva, mas, simultaneamente, será extremamente competente na tarefa para a qual foi desenhada.

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