Poucos setores serão tão revolucionados pelo digital quanto o da mobilidade. Automóveis autónomos e conetados, drones de transporte, partilha de viagens e de veículos — espreitemos o ecossistema do futuro.
Falar na mobilidade do futuro significa equacionar um ecossistema muito mais complexo do que aquele que atualmente existe – um verdadeiro cenário de Internet of Things (IoT), onde moram veículos, tecnologias, dados e serviços. Automóveis "smart"Pouco mais de um século após a maior disrupção da indústria automóvel, a primeira linha de montagem implementada por Henry Ford, o que esperamos desta indústria? Uma mobilidade totalmente digitalizada. Os nativos digitais, ou a geração Z, os maiores consumidores a médio prazo, esperam, dentro do carro, não perder a ligação ao mundo digital (do qual nunca se desligam, aliás), o que torna o software e a conetividade mais importantes do que nunca. Um estudo da PwC, de novembro de 2016, intitulado “Driving the Future: understanding the new automotive consumer”, realizado junto de consumidores norte-americanos, concluiu que 61% pretendiam que os seus automóveis tivessem maior integração com os seus smartphones. Os consumidores mencionaram que parcerias entre fabricantes de automóveis e empresas de tecnologia constituem a oferta ideal. A tecnologia automóvel pode bem ser a próxima fronteira da IoT, que assim trespassa o domínio empresarial e dá entrada na esfera do consumo, o que é quase sempre sinónimo de mais rápida inovação.
Carros autónomos e novos modelos de negócioOs veículos conetados são a plataforma ideal para que a indústria automóvel crie novos modelos de negócio, à medida que a propriedade dá lugar ao aluguer e à partilha – uma preferência da geração Z. Os fabricantes estão por isso a tornar-se fornecedores de serviços de mobilidade, mudando profundamente a forma como se relacionam com os seus clientes. Veja-se o exemplo da Volkswagen, que estabeleceu em setembro uma parceria com a IBM para desenvolver serviços de mobilidade digital, que funcionam com dados em tempo real, do condutor e do veículo, para oferecer serviços de mobilidade personalizados. Este serviço fornecerá aos condutores recomendações no local e no momento certos. As capacidades cognitivas associadas vão garantir que esses serviços aprendem com as preferências e hábitos do condutor para fazer recomendações o mais personalizadas possível. Os retalhistas, as cadeias de postos de abastecimento, o setor hoteleiro e os restaurantes vão poder usar a plataforma da Volkswagen, denominada “We Commerce”, para publicar as suas ofertas de uma forma mais relevante e direcionada a potenciais clientes. Outro exemplo é o da Daimler, que adquiriu a aplicação MyTaxi para criar o seu próprio ecossistema. Mas não está sozinha. A General Motors, empresa que há cinco anos percebeu o quão vital é uma aliança entre carros e IT, está a trabalhar com um dos rivais da Uber nos EUA, a Lyft, para desenvolver uma rede de táxis, neste caso autónomos (robôs táxi). A Uber, por sua vez, tem uma parceria com a Volvo para desenvolver tecnologias proprietárias para este tipo de veículos. E importa não esquecer que a Google está há muito comprometida com os carros autónomos, desde o lançamento do projeto Waymo, em 2009. Em fevereiro deste 2017, Elon Musk, CEO da Tesla, afirmava categoricamente que dentro de dez anos os carros serão totalmente autónomos. A Intel também percebeu o potencial destes veículos: em março deste ano adquiriu a tecnologia da startup israelita Mobileye, para, em conjunto com a BMW, colocar em teste cerca de 40 veículos autónomos. A Mobileye tem vindo a desenvolver sistemas e processadores preparados para auxiliar os veículos a navegar de forma segura e atenta aos perigos circundantes. O objetivo é, também, que este seja o ponto de partida para a criação de frotas de ride sharing (partilha de viagens) compostas por veículos que dispensam condutor. Também a alemã Continental, fabricante de pneus e peças automotivas, tem estado a trabalhar no desenvolvimento de tecnologias para carros sem condutor em zonas urbanas, com um veículo elétrico de demonstração intitulado CUbE (Continental Urban Mobility Experience), que a marca define como um táxi robô para o futuro, e que está a testar nas suas instalações em Frankfurt, na Alemanha. De acordo com um estudo da empresa de consultoria alemã Roland Berger, os veículos sem condutor constituirão cerca de um quarto dos serviços de transporte até 2030.
Pelotões de camiões autónomosA mobilidade 4.0 não envolve apenas o transporte de pessoas. Uma outra tendência, que para muitos é o futuro do transporte de mercadorias, socorre-se do “platooning”, sistema de camiões sem condutor com deslocação em pelotão. Por norma, implica que três a cinco camiões estejam conetados entre si eletronicamente – só o primeiro camião é controlado por um condutor, os de trás seguem-no de forma automatizada, à mesma velocidade. Sempre que há mudanças de direção, o pelotão acompanha o veículo principal, através de conetividade WiFi
Entregas pelo arNo domínio do transporte automatizado, os drones são uma realidade não muito distante — são vários os exemplos de empresas que estão já a recorrer a estes veículos para revolucionar a forma como entregam pequenas encomendas, caso da Amazon, Alibaba, UPS e DHL. A Amazon, por exemplo, percebeu que só conseguiria entregar as suas encomendas com a rapidez que os seus clientes esperam (nos EUA, em poucas horas) se recorresse ao transporte aéreo por drone, o que levou à criação do Prime Air: em dezembro do ano passado, o primeiro proof of concept levantou voo em Cambridge, na Inglaterra. Ainda em 2016, a DHL tornou-se no primeiro operador de logística do mundo a entregar encomendas com recurso a drones, em algumas zonas da Alemanha.
Sustentabilidade e gestão de tráfegoSistemas de telemetria e gestão de tráfego são indissociáveis de uma mobilidade otimizada e inteligente. Com recurso a sensores, radares e câmaras presentes nos veículos e nas próprias estradas, estes sistemas conseguirão alertar para situações de perigo iminente, evitar filas de trânsito, adaptar limites de velocidade e redirecionar o tráfego temporariamente. Este também é um tema de sustentabilidade, e que não passa apenas pelos veículos elétricos, outra grande tendência. Na Europa, o projeto o I+D+i Be- CamGreen, financiado pela Comissão Europeia e com a participação da Universidade de Milão, liderado pela Indra, promete aperfeiçoar e testar num cenário real um sistema que identifique o tipo de veículo e o seu número de ocupantes, em tempo real e com elevada precisão. A solução permitirá às entidades gestoras de tráfego identificar os padrões de mobilidade e estabelecer políticas que fomentem o uso do transporte público, de veículos partilhados e de baixas emissões poluentes, aplicando descontos, penalizações, restrições de acesso, etc. O projeto pretende aproveitar investigações prévias para aperfeiçoar e testar num cenário real, com circulação, um produto totalmente comercializável, com um custo razoável. A solução em questão envolverá a aplicação das últimas tecnologias de Big Data, visão artificial, aprendizagem profunda (deep learning) e análise multiespectral.
Apps e serviços integrados são oportunidade de negócioA redefinição da mobilidade depende da inovação, que já não é sinónimo apenas de novos produtos, mas de novas experiências. Num paper intitulado, “The Future of Mobility – What’s Next”, da Deloitte University Press, publicado em setembro de 2016, descreve-se um futuro marcado por viagens personalizadas, automatizadas e seamless, que transcende as novidades da indústria automóvel. Neste novo ecossistema, a analítica avançada e preditiva será elementar para entregar serviços que avaliem e combinem o perfil do utilizador com as circunstâncias que o envolvem. Só assim é possível, por exemplo, que uma aplicação móvel sugira o trajeto que melhor serve a deslocação do ponto A ao ponto B da cidade, para uma determinada pessoa, num determinado momento – e que pode envolver alugar um carro ou uma bicicleta, apanhar o comboio ou uma combinação de todas estas opções. Este cenário de experiências móveis pressupõe cidades verdadeiramente inteligentes, para as quais o 5G será indispensável, em nome de uma conetividade segura, resiliente e ubíqua. Um mundo de novas experiênciasÀ medida que a mobilidade autónoma (cem por cento robotizada) e partilhada se afirma, as experiências dentro dos veículos, durante os trajetos, também, o que abrirá um mundo de oportunidades para as empresas que procurem vender conteúdo, bens ou serviços, ou simplesmente transformar o tempo que passamos dentro do carro em tempo de qualidade. Os autores do estudo da Deloitte afirmam mesmo que este será um aspeto “determinante” no futuro da mobilidade e que já existem sinais do que estará para vir: a Volvo estabeleceu uma parceria com a Netflix, em janeiro de 2016, para possibilitar live streaming de áudio durante as viagens. Vários fabricantes da indústria automóvel estão a fechar acordos com content providers para streaming de áudio (eventualmente até vídeo) e a possibilidade de navegação na internet, entre outras opções. “Vidros dianteiros de realidade aumentada, que estão a ser atualmente explorados do ponto de vista da segurança e do auxílio à navegação, podem facilmente ser reconfigurados para um mundo mãos livres”, escrevem os autores. Em março deste ano, a Ford patenteou o “Sistema de Entretenimento para Veículos Autónomos”, pelo qual todo o vidro dianteiro se transforma num ecrã para fins de entretenimento. “É cada vez mais plausível que todas as paredes do carro, bem como o teto, se transformem em ecrãs táteis HD, incorporando possivelmente até tecnologias de realidade aumentada”, diz o relatório. Neste novo contexto, a analítica preditiva tornar-se-á determinante para potenciar todas estas novas experiências e adaptar os conteúdos às preferências de cada pessoa. “Plataformas e dados serão vitais para este novo sistema”, diz a Deloitte. Humanizar as cidadesEsta é uma preocupação social crescente. Pedro Pinto, city manager da MyTaxi, realça que muitas cidades foram desenhadas tendo em consideração os automóveis e que, atualmente, estão a ser pensadas “cada vez mais para as pessoas”. A tecnologia dá uma preciosa ajuda. “A mytaxi acredita que pode e deve acompanhar essa tendência, melhorando a mobilidade através de uma maior e mais eficiente resposta ao nível de transportes públicos ecológicos e de fácil acesso via app”. Para Pedro Pinto, a mobilidade é um "fator chave" para a melhoria da qualidade de vida nas cidades e das populações do futuro. Em Portugal, desde o lançamento da aplicação, em 2015, a MyTaxi tem vindo a observar uma “adesão crescente” aos serviços de E-hailing (contratação de serviços de transporte via app) e também de car sharing. A empresa pretende continuar a expandir a sua ação a todo o distrito de Lisboa e está a considerar o lançamento na cidade do Porto durante 2018. “Ao nível dos motoristas temos vindo a desenvolver várias funcionalidades in app que facilitam a sua atividade e aproximam estes profissionais e o sector da era digital”, destaca Pedro Pinto. IoT “personaliza” transportes públicos de BragaOs TUB (Transportes Urbanos de Braga), empresa municipal da cidade, e a IBM Portugal fecharam em setembro uma parceria para entrega de serviços personalizados aos utilizadores de transportes públicos, com base na plataforma de IoT da tecnológica. Graças à parceria, será possível reunir grandes quantidades de dados oriundos de diferentes fontes: de mapas de localização geográfica, meteorológicos, da emissão de bilhetes, da telemetria dos veículos, entre outros, para melhorar o transporte público da cidade e a experiência individual dos passageiros. O projeto incluirá cerca de 120 autocarros públicos conetados à rede da cidade, cujos dados serão recolhidos e analisados em tempo real, à medida que os passageiros viajam. A solução permitirá, por exemplo, que os TUB saibam exatamente onde um autocarro está localizado, quanto tempo irá demorar a chegar a uma paragem e quais os motivos de um eventual atraso. Dentro dos autocarros, os passageiros passarão a ter acesso a WiFi. |