Os dois mundos, o da condução do negócio e o das tecnologias de informação, têm, mais do que nunca, que quebrar a barreira da linguagem
A transformação digital não pressupõe apenas que os sistemas e tecnologias de informação tomem um lugar fronteiro no desenvolvimento de novos caminhos para o negócio das empresas: deve levar também a que os executivos de topo se aproximem da linguagem digital. Os dois mundos, o da condução do negócio e o das tecnologias de informação, têm, mais do que nunca, que quebrar a barreira da linguagem. As empresas mais inovadoras e melhor sucedidas da atualidade são aquelas que ultrapassaram, com sucesso, os entraves à comunicação sobre as temáticas digitais. Não se imagina uma Amazon sem que Jeff Bezos fale e entenda fluentemente o mundo digital. Não se imagina a Tesla sem um profundo conhecedor da tecnologia, como Elon Musk. Não se concebe uma estrela emergente na conservadora área da moda de luxo, como a Farfetch, sem um extenso entendimento do mundo digital por parte dos seus fundadores Não se imagina até o futuro da área financeira sem que os respetivos executivos entendam as ameaças e oportunidades colocadas pelas novas fintech. Retalho, indústria automóvel ou serviços financeiros estão entre os setores de negócio em fase de disrupção acelerada pelo digital. Nenhuma área parece hoje a salvo do que muitos já chamam uberização (da transformação causada por empresas com modelos disruptivos, como a Uber). Colocar as questões certasUm tema recorrente nas discussões em torno do valor do IT para as organizações é a premente necessidade dos profissionais, em particular os responsáveis pelas tecnologias de informação organizacionais, se aproximarem do negócio, falarem a respetiva linguagem. Mas alguns executivos de topo continuam pouco cientes de que a sua própria transformação é, também ela, necessária. Não é fundamental compreender a tecnologia, dizem, para entender o negócio. Insistem que os especialistas de IT nas respetivas companhias apresentarão os casos de negócio necessários para a mudança - e que a companhia reagirá em resposta a esses casos de negócio. Mas, frequentemente, as pessoas da área das tecnologias da informação não sabem quando e como apresentar o caso. Se os executivos não entendem a tecnologia, não podem apreciar as suas implicações estratégicas – e decisões de negócio baseadas nesse entendimento incompleto têm a possibilidade de ser de vistas curtas ou pior ainda. De acordo com o Global CIO Advisory Pulse Survey, da consultora KPMG, a falta de capacidade para colocar as questões certas é o maior obstáculo que os executivos enfrentam no que se refere à competição digital. Charlene Li, autora de The Engaged Leader: A Strategy for Your Digital Transformation, afirma- o desta forma: “Muitos líderes estão completamente ausentes dos canais digitais e sociais frequentados pelos seus clientes e funcionários. Não estão envolvidos de todo. Sentem a necessidade de estar, mas não sabem como fazê-lo. Estão até aterrorizados por isso”. As tecnologias digitais podem parecer particularmente avassaladoras devido à aceleração do ritmo de mudança. “As tecnologias existentes, e aquilo de que os clientes necessitam, está a mudar mais rapidamente do que, digamos, há 15 ou 20 anos”, afirma Michael Useem, professor de gestão, diretor do Wharton Center for Leadership and Change Management, e autor de The Leader’s Checklist: 15 Mission-Critical Principles. Os vetores da mudançaNo seu núcleo, o que chamamos de transformação digital começa com a visão de qual se pretende que seja a direção da companhia. Como irão as ferramentas digitais ajudar a crescer o negócio ou a torná-lo mais eficiente? Certamente, existe uma panóplia de tecnologias digitais por onde escolher e é necessário escolher aquelas que são críticas para o negócio – mas como, quando o número de opções parece ser tão confuso? Num estudo efetuado em 2015 pela PwC a mais de 1.300 CEOs em 77 países, as tecnologias móveis para envolvimento dos clientes foram consideradas as mais estratégicas para a transformação digital. Essa categoria capturou 81% das preferências, seguida de data mining e área analítica (80%), cibersegurança (78%), Internet of Things (65%), processos de negócio com capacitação social (61%) e cloud computing (60%). O maior benefício que os CEO veem na transformação digital é a eficiência operacional que conduz a poupanças de custos. “A transformação das estruturas de custos é um sintoma da transformação digital pela qual as companhias estão a passar”, afirma o relatório do inquérito. Para mudar um negócio com sucesso, afirma o relatório, uma companhia deve ter duas coisas: uma visão clara de como a tecnologia poderá conceder uma vantagem competitiva – e um plano bem estabelecido que inclua medidas bem definidas de sucesso. Segundo o survey da PwC, 54 % dos CEO dizem que entraram, ou consideram entrar, num novo mercado nos últimos três anos devido à transformação digital, enquanto que 56% dizem que irão competir em novas indústrias nos próximos três anos por essa razão. Estas oportunidades para expansão não eram apenas para as grandes empresas. Nada menos do que 51% das empresas mais pequenas, com receitas abaixo dos 100 milhões de dólares, entraram ou consideraram novos mercados em anos recentes devido à transformação digital, segundo o inquérito. Ou seja, há uma dupla oportunidade identificada por parte de muitos executivos de topo de que uma estratégia digital é crítica para o crescimento do negócio e para o sucesso competitivo. Mas também dos responsáveis pelas áreas de sistemas de informação que aspiram, naturalmente, a liderar a revolução, tomar o papel dianteiro e não apenas do de suporte ao negócio, com que são na maioria dos casos conotadas. Mas é fundamental o estabelecimento da linguagem comum – com esforço de ambos os lados. As empresas de sucesso no ano que agora se avizinha serão, indiscutivelmente, aquelas em que os executivos de topo e os responsáveis de sistemas de informação acordem numa linguagem comum e a falem fluente e constantemente. O que está em jogo é demasiado importante para que este entendimento passe mais um ano sem acontecer.
Henrique Carreiro,Docente de cloud computing e mobilidade empresarial na Nova Information Management School |