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Human Capital - Captar, reter, multiplicar

O país é hoje reconhecido pela qualidade dos seus profissionais, especialmente nos perfis tecnológicos e de engenharia e está, aos poucos, a tornar-se um pólo tecnológico a nível europeu. Em sentido inverso, são cada vez mais os talentos que procuram a segurança, a estabilidade e o clima nacionais para desenvolver a sua carreira

Human Capital - Captar, reter, multiplicar

O estilo de vida descontraído, a riqueza da herança cultural e os trezentos dias de sol por ano, que fazem de Portugal um destino atrativo, são hoje um cartão de visita para os milhares de turistas que visitam o país, mas também para os talentos que, cada vez mais, escolhem viver e trabalhar em terras lusas. Isto significa que o país está a conseguir reter muitos dos seus talentos e, adicionalmente, a garantir que importa o capital humano que lhe faz falta. "A conceção de espaços que estimulem a criatividade, a formação de equipas multifuncionais e a promoção da 'polinização' cruzada são catalisadores da inovação e podem ser grandes diferenciadores na escolha de vir para Portugal e aqui ficar", acredita Fátima Carioca, Dean da AESE Business School. A estas condições, promovidas essencialmente por organizações muito orientadas para as pessoas, juntam-se outras inerentes à cultura nacional. "A liberdade intelectual e a tolerância cultural que oferecemos captam projetos que trabalham com talentos – verdadeiros trabalhadores do conhecimento - que são muito produtivos no ambiente social do nosso país", acrescenta Carla Curado, professora associada no Departamento de Gestão do ISEG – Lisbon Shool of Economics and Management.

Na opinião da professora, "Portugal tem conseguido atrair projetos e profissionais de IT que consideram na decisão de destino caraterísticas culturais que o país oferece, e que vão além da simplista análise do projeto financeiro". O facto do país ter condições estruturais com formação de elevado nível, que lhe permite uma permanente produção de graduados de qualidade, é outro fator de atração para quem vem de fora, mas também uma garantia de empregabilidade para os talentos nacionais. "A capacidade de cativar talentos internacionais é cada vez maior, o que nos confere um poder de atração interessante", reforça.

Segundo dados da Atomico, o aumento do investimento na tecnologia portuguesa em 2018 fez com que o setor das TI tenha crescido cinco vezes mais em território nacional do que no resto das economias europeias. De acordo com os resultados do mesmo estudo, o setor tecnológico em Portugal impulsionou o crescimento de 6,4% na força de trabalho, número que contrasta com a média europeia de 1,1%.

Não será, por isso, de estranhar que grandes multinacionais como a Siemens, a IBM ou a Google tenham escolhido Portugal para instalar centros de competência, criando centenas de empregos no setor das tecnologias da informação (IT). Esta tendência está a posicionar o país como um pólo tecnológico europeu, uma 'etiqueta' que começa a ser potenciada e dinamizada mesmo a nível governamental. "Portugal sempre foi um país recetivo às novas tecnologias, onde, até pela dimensão, é muito interessante para empresas multinacionais testarem novos produtos e soluções. Acho que é já hoje um pólo tecnológico e pode ser ainda mais, atraindo bons quadros nas áreas de IT", diz Isabel Viegas, docente na Católica Lisbon Business & Economics e consultora. Menos otimista, André Ribeiro Pires, Chief Digital and Information Officer do Grupo Multipessoal. "O crescimento de Portugal enquanto pólo tecnológico tem sido claro e acontecido em crescendo. No entanto, para que se torne um pólo agregador de talentos na área das TI é preciso que as pessoas – os recursos humanos - sejam consideradas pelas empresas como interesse principal".

Um ativo que vale ouro

O capital humano é hoje um dos ativos mais valiosos nas organizações e determinante na sua diferenciação. "As pessoas são fundamentais nas empresas. São elas que cumprem a missão e transformam a estratégia em ação e em sucesso para o negócio", diz Fátima Carioca. Para a Dean da AESE, num mundo em mudança acelerada, ser uma empresa ágil, entendida como a que tem capacidade de prontamente responder a contextos novos, acolher novos requisitos, acomodar imprevistos e cenários incertos e voláteis, adaptar-se a novas situações e exigências, é condição para a sua sobrevivência, mas também um tesouro porque não existem muitas.

No entanto, manter os melhores talentos é também um desafio para as organizações empresariais, especialmente pela sua volatilidade. "A colaboração do capital humano com as organizações acontece se este assim desejar, dentro dos limites que desejar, e até quando desejar", afirma Carla Curado. "O que obriga a que o talento (um ativo organizacional feito de conhecimento) tenha de ser gerido de uma forma muito particular", acrescenta. André Ribeiro Pires reforça: "são os candidatos quem agora conduzem o mercado". Com um país num 'quase' pleno emprego, a procura por profissionais especializados em alguns setores excede largamente a oferta, o que confere um enorme poder às pessoas. "A importância da componente humana nas organizações é cada vez mais clara e de nada valem as melhores tecnologias e processos se não existirem profissionais preparados para o mercado de trabalho", salienta ainda o responsável da Multipessoal. A luta pelos talentos – atração e retenção – está, por isso, no topo das agendas dos gestores. Escolher os melhores pode garantir-lhes mais produtividade, melhores resultados operacionais e um desempenho global acima da média. De acordo com um estudo da consultora McKinsey, quando as organizações têm nas suas equipas colaboradores motivados e com um rendimento profissional acima da média, eles podem ser até 400% mais produtivos. Contudo, refere o mesmo estudo, estes talentos são os mais difíceis de encontrar.

E é aqui que as empresas têm que diferenciar-se. As ofertas de trabalho não podem hoje limitar-se a 'acenar' com um salário interessante, a que se juntam alguns benefícios mais tradicionais como o telemóvel, o computador, o carro ou, até, o seguro de saúde. Mais do que isso, as pessoas procuram e valorizam oportunidades de desenvolvimento de carreira, flexibilidade do trabalho, ou valores sustentáveis e impacto na comunidade. "Sente-se uma dificuldade cada vez maior em fazer o matching entre o que as empresas querem e o que as pessoas procuram", diz Isabel Viegas. E esta é uma questão complexa que, alerta a professora, "implica transformar as lideranças, os ambientes de trabalho, as políticas de gestão e pessoas, para que as empresas se tornem mais 'apetecíveis' aos bons profissionais".

Apesar disso, Isabel Viegas destaca as empresas de tecnologias da informação (TI) como bons exemplos da flexibilidade que se exige às organizações com vista à captação de talentos. "Estas empresas estão a conseguir ir ao encontro do que os seus colaboradores dizem procurar: ambientes ágeis, com horários e locais de trabalho flexíveis, digitais, colaborativos, com propósitos bem conhecidos, uma visão partilhada, uma filosofia de projeto e políticas de reconhecimento individual e de equipa focadas nas suas necessidades reais". Uma opinião partilhada por André Ribeiro Pires. "Também são cada vez mais versáteis as necessidades que encontramos do lado dos profissionais e, por isso, o desafio de manter os talentos nas organizações, quando há tantas propostas aliciantes, é cada vez mais notório".

Segundo o estudo desenvolvido pela AESE, no âmbito das Melhores Empresas para Trabalhar em 2019, a Gestão do Talento é atualmente o principal desafio na Gestão de Pessoas. Mais de 50% dos inquiridos identificaram a capacidade de reter, desenvolver e recrutar como peças fundamentais na desafiante tarefa de gerir empresas. Isto traduz-se em preocupações tão específicas como: 73% valorizarem a retenção de talento, 61% a qualificação e o desenvolvimento das equipas, e 56% o recrutamento de bons candidatos. Já no que se refere às prioridades identificadas pelas empresas na Gestão de Pessoas, o mesmo estudo revela que no topo estão questões como a conciliação da vida pessoal e profissional, o desenvolvimento e a capacitação das pessoas, motivação da equipa e melhoria da experiência do colaborador. "Estas opções atingiram mais de 50% de 'votos', em mais de 20 opções oferecidas aos inquiridos", explica Fátima Carioca.

Aprender sempre

Num mundo global, as organizações têm de se manter competitivas sob pena de perderem o comboio da inovação e da modernização e, para tal, necessitam de se basear em aprendizagem e desenvolvimento de competências, essencialmente porque o conhecimento reside nas pessoas que compõem as equipas. "O principal desafio que se coloca à gestão do talento é mantê-lo em permanente aprendizagem. Motivar os talentos para este novo paradigma e medir o impacto da formação são dois dos grandes guias para o futuro das organizações", acredita Carla Curado. Aliás, reforça, André Ribeiro Pires, "como caráter de decisão entre propostas de diferentes organizações, os candidatos procuram saber o propósito do seu trabalho e estar em constante aprendizagem".

Fátima Carioca partilha de opinião semelhante. "Organizações com uma cultura de aprendizagem são lugares abertos à criatividade, à exploração, onde os colaboradores são incentivados a lançar novas ideias e explorar alternativas". A responsável da AESE acredita que a capacidade de aprendizagem enquanto organização assume uma grande relevância, especialmente num contexto dinâmico e incerto, em que as empresas necessitam de ser ágeis e de se reinventarem. Não foi, por isso, surpresa que os resultados do estudo realizado no âmbito das Melhores Empresas para Trabalhar projetem uma clara tendência das empresas em promover a inovação, o conhecimento e a agilidade como resposta a contextos de negócio cada vez menos previsíveis e mais complexos, como os que diariamente se vivem.

E quando falamos de formação e de aprendizagem, importa destacar a cada vez mais premente importância da requalificação de recursos. Pela primeira vez, cinco gerações partilham o contexto de trabalho, o que obriga as empresas a repensar como tirar o melhor partido possível do seu capital humano. "A requalificação dos recursos é um desafio que deve ser olhado com muita atenção, pois dele depende o sucesso e a continuidade das empresas", refere Fátima Carioca que, acredita que quanto mais qualificadas forem as pessoas, maior será a sua capacidade de resposta aos desafios e proatividade no aproveitamento das oportunidades do mercado, "mas também maior será a sua motivação e naturalmente o sucesso da organização".

A este propósito, André Ribeiro Pires, alerta: "as empresas devem olhar para a requalificação como um fator de extrema importância". Para o responsável da Multipessoal, a formação em matérias novas, ou mesmo a atualização de conhecimentos já adquiridos, é cada vez mais uma prioridade também para os colaboradores, nas mais diversas áreas. "Olhar para o futuro, prever a evolução das qualificações e procurar o apoio das escolas / universidades para irem garantindo as competências do futuro, serão algumas das tarefas a colocar nas agendas dos gestores", complementa Isabel Viegas. Olhando, por exemplo, para área mais tecnológica, Carla Curado destaca que os recursos tecnológicos são comercializáveis, mas o conhecimento tem de ser desenvolvido e retido na organização. "Os talentos tecnológicos são relevantes num contexto de transformação digital, pelo que as empresas têm de desenvolver esta transformação com suporte tecnológico, mas também de conhecimentos", explica.

Novas competências precisam-se!

Com o mundo empresarial a mudar a uma velocidade vertiginosa, em muito impulsionado pela transformação digital que está a ocorrer de forma transversal a todos os negócios e setores, as skills exigidas, quer em funções novas quer nas mais 'tradicionais', também estão a sofrer profundas alterações. Segundo o estudo realizado pela AESE, a Gestão de Pessoas constitui uma das competências mais relevantes, apesar da importância atribuída à inteligência emocional, referida por 70% dos inquiridos. Pensamento crítico (57%) e criatividade para encontrar soluções para os problemas (50%) são as competências que se seguem o que, para Fátima Carioca, significa que as empresas precisam cada vez mais de pessoas com agilidade e capacidade de decisão. Uma flexibilidade que Carla Curado também destaca. "A capacidade de aprender e de aceitar a mudança são caraterísticas fundamentais no mundo atual".

Estarão então as hard skills, mais técnicas, a perder relevância nas organizações? Para André Ribeiro Pires esta questão não se coloca. O que existe, diz, "é uma necessidade de equilíbrio entre capacidades técnicas e habilidades interpessoais". Se, por um lado, explica o gestor, é preciso que os profissionais trabalhem para uma constante atualização sobre novidades tecnológicas e desenvolvimento de novos processos, estas devem ser acompanhadas por uma capacidade de forward thinking, um mindset de colaboração e forte pensamento crítico e analítico. Uma opinião semelhante à de Isabel Viegas que defende que as hard skills continuarão a ser um foco importante, mas as soft skills, hoje conhecidas como 'core' skills, ganham importância e espaço todos os dias. "Saber trabalhar em ambientes diversos e complexos, saber relacionar-se e construir redes de suporte, etc, são exemplos de core skills fundamentais".

Carla Curado defende também o equilíbrio entre skills, o que considera "os ingredientes essenciais do capital humano". A professora realça que, enquanto as capacidades técnicas exigem permanente atualização e que, por isso, obrigam as organizações a basear a sua atuação numa aprendizagem constante, é a inteligência social e emocional que permite melhor colaboração em rede e maior sucesso.

Novas profissões a caminho

A alteração nas competências está a conduzir também à criação de um conjunto de novas funções e profissões. "A maioria delas dificilmente poderemos, de momento, imaginá-las. Mas outras haverá que se manterão, mudando o seu conteúdo e outras ainda permanecerão. É a evolução natural, embora mais acelerada", afirma Fátima Carioca. Para a Dean, algumas das novas profissões decorrem da transformação digital, da automatização, da aplicação intensiva da inteligência artificial, da cibersegurança ou da conetividade global. "São os influencers, os coachs de robots, etc....". André Ribeiro Pires acrescenta outras como engenheiros em robótica e nanotecnologia, áreas que continuam em crescimento exponencial. Do mesmo modo, destaca, "a data analytics – análise de dados – tem-se mostrado uma enorme mais valia no mercado e, por esse motivo, as profissões a si associadas surgem em crescendo".

O papel da academia

As Universidades são, por excelência, a grande fonte dos talentos que chegam às empresas. Contudo, o grande desafio para estas instituições tem sido, desde sempre, a adequação dos conteúdos às reais necessidades do mercado empresarial. "As universidades, e as Business Schools em particular, são players fundamentais na construção de talentos, mas isso coloca-nos desafios. Temos de antecipar as necessidades das organizações e formar os Recursos Humanos do futuro", diz Carla Curado. "Temos a responsabilidade de formar o recurso mais valioso das organizações que são as Pessoas", reforça. Contudo, como acrescenta Isabel Viegas, "as universidades terão de se aproximar muito mais das empresas, ir para dentro das empresas. Terão de inovar ao nível dos modelos de ensino e aprendizagem dos adultos, que está a mudar muitíssimo". Para a docente da Católica, mais do que locais onde se vai às aulas, as universidades serão no futuro locais de partilha de experiências, de trabalho colaborativo, de facilitação na aproximação ao mundo real, de auto-aprendizagem, onde os alunos deverão ter acesso ao conhecimento de inúmeras formas, e não apenas através da relação com os professores. "Estas alterações são já hoje um desafio enorme à capacidade dos professores de se transformarem, de saírem das universidades, de se aproximarem das empresas, de serem facilitadores da aprendizagem dos alunos", diz.

Já para Fátima Carioca, o papel de uma Business School passa por "transformar executivos, de todas as idades, para uma vida que impacte na empresa, na família, na sociedade e que seja pessoalmente gratificante". Ou seja, tal significa, em primeiro lugar, "habilitá-los para aqueles trabalhos que somente os seres humanos podem fazer. Trata-se de um misto entre literacia tecnológica, literacia na análise e utilização de grande informação, e a literacia humana que se concretiza em trabalho em equipa, empreendedorismo, criatividade, ética e agilidade cultural", explica. A Dean acredita que é da integração destas literacias que é possível desenvolver uma mentalidade criativa e a elasticidade mental para "descobrir e produzir ideias originais preparando cada um para uma era em que a inteligência artificial, quiçá, vá suplantar a inteligência humana".

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