Os níveis de riqueza das empresas medir-se-ão, cada vez mais, em função dos dados e do valor que deles extraem. Amazon, Netflix, Uber e Booking não estão no negócio do retalho, da televisão, dos transportes ou do alojamento. O negócio de cada um destes colossos, líderes destacados na economia digital, são os dados. No white paper “Dados 2025”, publicado em 2017, a IDC prevê que o volume de dados gerados em todo o mundo aumente dez vezes num período de oito anos (2017-2025), totalizando os 163 zettabytes (ZB). A IDC estima ainda que o volume crescente de dados gerados, partilhados e acedidos por empresas e pessoas, tanto em dispositivos como na cloud, exceda em grande medida todas as expetativas anteriores. Outro prognóstico interessante diz que as empresas ultrapassarão os utilizadores particulares enquanto principais produtores de dados – em 2025, os negócios vão gerar 60% dos dados mundiais. O documento refere ainda que “a década centrada em torno da conversão de dados analógicos em digitais está a ser substituída por uma era centrada no valor dos dados; em criar, utilizar e gerir dados ‘life critic’ necessários para o bom funcionamento do dia-a-dia de consumidores, governos e negócios”.
Decisões com futuro
O big data e o analytics são a chave para os padrões escondidos em grandes volumes de dados, para desbloquear os insights que têm o poder de transformar verdadeiramente os negócios através da identificação das oportunidades muito antes destas se manifestarem. Como resume Jorge Loupa, responsável pela área de analytics na Oracle, “importa olhar para os dados como o capital da empresa”.
É em nome desta nova liquidez que é necessário transformar os dados estruturados (oriundos de fontes mais tradicionais) ou não estruturados (de fontes mais emergentes, como a IoT ou as redes sociais) em conhecimento. No horizonte está a possibilidade de “tomar decisões mais fundamentadas e acertadas”, sublinha Flávio Simões, solutions advisor na SAP Portugal, que conduzem a uma “redução de custos, a uma melhor utilização dos recursos e a mais eficiência”.
A maturidade das nossas empresas
As organizações nacionais, sobretudo as que se relacionam com o consumidor final, estão a olhar para estas tecnologias como uma oportunidade de diferenciação. Não é de hoje que as empresas se preocupam com os dados, mas no passado estes eram mais escassos e mais difíceis de analisar, porque a tecnologia tinha limitações que hoje não existem. Por um lado, há uma miríade de sensores que estão a gerar, sozinhos, mais e mais informação, que se junta à que cada um de nós produz nos seus (múltiplos) dispositivos. Por outro, a capacidade de processamento é hoje muitíssimo superior ao que era há uns anos, e o seu custo é consideravelmente inferior.
No mercado português existem diferentes níveis de maturidade no que diz respeito à adoção de ferramentas de big data e analytics. Segundo Nuno Maximiano, business analytics sales leader na IBM, as nossas empresas querem extrair valor dos seus dados, sim, mas nem todas sabem como. “Têm em seu poder muita informação, só que não percebem como utilizá-la no dia-a-dia ou como é que podem melhorar as operações da empresa e as relações com clientes e fornecedores”. A SAP verifica “uma correlação estreita” entre a maturidade de utilização da analítica e o nível de exposição da empresa ao consumidor final. “As empresas que atuam em mercados B2C, quer por questões de abertura do próprio mercado quer por gerarem um maior conjunto de informação, são as que mais necessitam de ter capacidades de análise ágeis e estruturadas, de forma a oferecer uma melhor experiência ao consumidor final”, destaca Flávio Simões.
Os setores mais avançados
Por norma, os setores onde a competitividade é maior estão mais avançados nesta matéria, caso do retalho, logística e telecomunicações. “São setores que têm necessariamente de ter capacidade de adaptação para conseguirem manter-se no mercado”, observa Pedro Nunes, big data lead na BI4All. De uma forma geral, há empresas que estão ainda numa fase inicial, “a tentar explorar as melhores formas de aproveitar as vantagens destas soluções”, e algumas estão a montar os seus primeiros data lakes. Saúde, utilities e transportes são setores em que a Xpand IT tem vindo a desenvolver projetos. “Aquele que, curiosamente, não está tão avançado ao nível da utilização destas tecnologias é banca”, realça Nuno Barreto, partner & big data lead. Só mais recentemente têm existido algumas iniciativas por parte da banca de retalho, “no sentido de prestar um serviço diferente”, esclarece Sofia Esteves, head of professional services no SAS Portugal, lembrando que “o que faz realmente a diferença já não é o produto, onde existe cada vez menos diferenciação”. A mensagem é válida para todas as empresas – de todas os tamanhos, de todas as áreas. “Já começam a existir bastantes projetos, quer ao nível de uma interação em tempo real com os clientes, quer na perspetiva de conseguir propor a oferta que melhor se adequa a cada cliente”, adianta Sofia Esteves.
Business Intelligence mais disseminado
A adoção de ferramentas de business intelligence (BI) e de self-service analytics está de algum modo “massificada”, segundo Jorge Loupa, da Oracle. “Onde ainda não existe grande adoção é ao nível da utilização de tecnologias de big data”. Os clientes da tecnológica optam, por norma, por um de dois caminhos: “Ou apostam numa abordagem de inovação, com a criação de um laboratório de dados, para explorar e monetizar a informação, ou têm uma abordagem mais operacional, mais do ponto de vista de criar um data lake corporativo”. A melhor arquitetura de gestão da informação passa por conjugar estas duas realidades. “Só assim as empresas poderão olhar para os dados como um ativo”. Nuno Barreto (Xpand IT) deixa um alerta: “Quem não entender estes temas como prioritários será provavelmente engolido por quem está a apostar neles”. Quando o tema são os dados, não é apenas a competitividade das empresas que está em causa – em última instância, trata-se de sobreviver na economia digital.
Uma questão de sobrevivência
Cada empresa terá um ou mais desafios específicas que encontram resposta na analítica, mas existem preocupações comuns. A principal é ser relevante, o que exige uma visão holística do cliente. Em empresas com um modelo de negócio B2C, esta capacidade “pode fazer a diferença entre o sucesso e o insucesso”, lembra Pedro Nunes (BI4All). Nunca como agora foi tão importante a personalização da oferta e dos serviços prestados. Porque só assim é possível propor o que faz sentido para cada pessoa, tendo em vista uma personalização crescente.
Sofia Esteves (SAS) sublinha que passámos da fase do “one size fits all” para a da segmentação, e que estamos agora na fase de “olhar para cada cliente de modo individual”, um imperativo de negócio que, diz, “é também um tremendo desafio”. No caso das empresas maiores, mais tradicionais e com processos pesados, ganhar agilidade é crítico para “reagir aos níveis de customização que os clientes exigem”. Isso leva a que tenha de criar-se centros de analítica avançada, que abranjam “toda a cadeia de valor da empresa”, tendo em vista, por exemplo, o desenvolvimento de novos produtos, a redução do risco e até mesmo o combate à fraude.
Antecipar ao invés de reagir
O SAS relata um elevado interesse pela utilização do analytics numa perspetiva mais preditiva, que ajuda as organizações a estarem “um passo à frente”, nas palavras de Sofia Esteves. Para uma seguradora automóvel, por exemplo, pode ser a oportunidade de adaptar um plano de seguro ao estilo de condução do cliente, uma possibilidade que ganha mais força à medida que os automóveis se tornam verdadeiros dispositivos de IoT, conetados e povoados por sensores de todo o género. A manutenção preditiva é outro dos use cases que alia a IoT a big data e analytics, e que permite “prever a forma como a produção pode ser afetada”, indica Nuno Maximiano (IBM), detetando anomalias antes destas ocorrerem. No contexto das fábricas conetadas, ou indústria 4.0, lembra Nuno Barreto (Xpand IT), estas ferramentas permitem “atuar sobre os dados oriundos dos sensores a uma velocidade que outrora não era possível”. Neste setor, com o qual a HighValue desenvolve bastantes projetos, e que depende fortemente das exportações, “essa informação é vital para marcar a diferença”. Isabel Eufrásio salienta que, neste ponto, é possível capitalizar investimento para “diminuir ineficiências”. Até porque, defende, “ainda existe muita ineficiência pela incapacidade de olhar para a informação”.
O que trava uma estratégia data-driven?
Se nos dias de hoje recolher a informação não é um problema, geri-la, prepará-la e analisá-la pode sê-lo se as empresas não evoluírem as suas estratégias e processos. Um importante entrave à adoção de projetos de big data e analytics é a ausência de políticas de gestão de dados, entendidas como um desperdício de recursos e de dinheiro, por parte das organizações, mas que são absolutamente críticas para que as empresas lidem com dados de confiança.
Além do mais, o big data aporta mais complexidade a toda esta componente, alerta Sofia Esteves (SAS). “A gestão de informação, na perspetiva de ter ou não qualidade, é um fator bastante importante. Mas é uma tarefa morosa e dispendiosa”. Porém, se a informação que se vai analisar não é de qualidade, não é possível extrair valor a partir dos dados. “Isso pode fazer com que as empresas sintam mais receio em avançar para iniciativas deste género”. Segundo Flávio Simões (SAP), apesar de existir apetência por este tipo de soluções, “são poucas as empresas que têm uma estratégia de analítica comum para toda a organização”.
RGPD tem acelerado data management
A boa notícia é que o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) veio acelerar os investimentos na componente de gestão da informação, pela necessidade de haver uma monitorização muito maior dos dados. Também a IBM tem notado, nos últimos seis meses, que as empresas estão a aproveitar o RGPD para canalizar verbas para o data management. “É um sinal muito positivo, porque mesmo as empresas mais avançadas em termos analíticos não tinham gestão de dados. O RGPD serviu para impulsionar a data governance”, observa Nuno Maximiano.
Sucesso das iniciativas depende da gestão
Apesar de haver uma nova geração de gestores mais interessados por estas temáticas, continuam a existir, tanto nas grandes empresas como nas PME, líderes de negócio “que ainda desconfiam destas tecnologias e que acabam por levar as empresas para cenários menos interessantes”, indica Nuno Barreto (Xpand IT). Para que as empresas sejam data-driven, IT e negócio têm de andar de mãos dadas, com o negócio ao leme deste tipo de iniciativas.
A BI4All tem encontrados dois cenários: “Algumas empresas separam claramente o negócio do IT e colocam do lado do negócio as iniciativas. Existem outras em que o IT sente a necessidade de ser ele próprio a definir os passos, quando deveria ser o negócio a fazê-lo”, avança Pedro Nunes. Quando é o negócio que comanda, a probabilidade de sucesso do projeto, dentro da empresa, também é superior. Para Nuno Barreto (Xpand IT), o outsourcing que as empresas têm feito do seu IT tem contribuído para alguma descapitalização dos recursos de IT, dentro das organizações, o que demonstra, segundo o próprio, “como a gestão das empresas não viu a analítica como algo altamente estratégico”. Processos massivos de outsourcing resultaram num IT interno que “percebe muito de gestão de nível de serviço e muito pouco de IT”. Trazer essa capacidade para dentro de casa, defende, “levará algum tempo”.
Áreas onde falta talento
A escassez de data scientists é uma realidade e coloca desafios às organizações. Como contorná-la? O Setor das TI tem como grande desafio a falta de profissionais qualificados. Quando chegamos a big data e analytics, a escassez é ainda mais acentuada. É um problema, adverte Pedro Nunes (BI4All), “porque sem data scientists, as empresas não conseguem explorar estas áreas”.
Se a necessidade de recursos especializados tem tendência para nunca ser totalmente suprimida, resta às organizações um caminho. “Vão transformar- se por forma a consumir micro serviços de entidades externas. Com o big data e analytics, a tendência é para que detenham os seus ativos críticos e que tudo o que não o é seja externalizado”, diz Nuno Maximiano (IBM). Existem já empresas que “estão a utilizar micro serviços", adianta Pedro Nunes (BI4All), colocando uma pergunta e obtendo uma resposta com dados “treinados pela própria empresa”.
Machine learning dá uma ajuda
Na Europa, a falta de data scientists está a levar muitas empresas a investir em automated machine learning. “Permite que os utilizadores de negócio, através de um conjunto de ferramentas, realizem eles próprios uma análise dos dados”, esclarece o responsável da BI4All. O machine learning está a evoluir para o que diz ser “uma espécie de self-service machine learning”, de modo a que não se dependa tanto dos data scientists.
Democratizar o acesso à analítica
A verdade é que a automatização que advém da evolução tecnológica poderá de algum modo levar a que “as tarefas rotineiras possam de algum modo ser substituídas”, diz Sofia Esteves (SAS). É por isso fundamental que exista uma “democratização do acesso às ferramentas de analítica”, para que mais utilizadores de negócio consigam extrair valor dos dados. O maior desafio é “encarar os dados como um ativo e geri-los da melhor forma, o que ainda não acontece”.
Para Nuno Maximiano (IBM), a comunidade open source, os integradores e os fabricantes de software têm de simplificar ainda mais o acesso a estas tecnologias, dada a “forte apetência por algo preditivo”.
Cinco tendências importantes
O white paper “Dados 2025”, da IDC, evidencia tendências que estão a influenciar os dados:
- Mais vitais do que nunca: Em 2025, cerca de 20% dos dados globais serão críticos para o nosso dia-a-dia, e 10% serão “hiper-críticos”;
- Internet of Things (IoT): Em 2025, cada pessoa vai interagir com dispositivos conetados a cada 18 segundos, perto de 4800 vezes por dia;
- Mobilidade: Em 2025, mais de um quarto dos dados serão gerados em tempo real; 95% destes dados serão oriundos da IoT;
- Mais analítica: Dentro de sete anos, a quantidade de dados sujeitos a análise crescerá por um fator de 50, para 5.2 ZB;
- Novos tipos de dados: apesar de, nos últimos dez anos, a criação de dados se ter caraterizado sobretudo por um aumento de conteúdo de entretenimento, na próxima década haverá uma mudança ao nível da natureza dos dados, que serão impulsionados pela produtividade e que estarão embutidos em dispositivos.
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