"Queremos trazer ao produto informação sobre o futuro"

José Dionísio, Co-CEO da Primavera, explica o caminho que a empresa tem vindo a fazer ao longo dos anos, desde a transição do DOS para o Windows, até à transição atual dos produtos on-premises para os produtos cloud

"Queremos trazer ao produto informação sobre o futuro"

Quando a Primavera nasceu, foi com uma perspetiva de crescimento?

Sim. Começámos vindo de um outro player. Eu e o Jorge Baptista quando começámos já tínhamos sete anos de experiência. Éramos uma startup, mas não à saída da universidade. Acho que aquilo que aconselharia a alguém que quer empreender, na medida dos possíveis, é que primeiro vá ganhar uma experiência profissional numa empresa com alguma dimensão. E depois decidir se quer empreender dentro [da empresa], ou se quer empreender por conta própria. Porque também é muito interessante, e pode ser estimulante, empreender dentro de uma boa organização.

O país precisa muito de empreendedores. Se eu quiser trabalhar a escala, o país precisa de empreendedores para as nossas empresas. Se hoje tenho 330 ou 340 pessoas e quero ter amanhã 500, preciso de empreendedores. Nesse sentido, sim, quando nascemos foi para ser logo, pelo menos, da dimensão daquela empresa de onde tínhamos vindo. Saímos e sabíamos o que era uma dimensão de empresa na altura. Não quisemos ser uma empresa internacional e pagámos por isso de alguma maneira, não formatámos tudo isso em função de uma dimensão internacional porque em 1993 não era tema; o mercado interno, por si só, chegava. Mas quisemos ser uma empresa nacional. Construímos uma software house nacional porque a nossa escola tinha sido essa.

Nasceram com o mindset de produto?

Exatamente. Um executável para todos. Por isso a Primavera não tem dois executáveis, tem um. O que implica tecnologia para adaptar o produto às necessidades dos clientes, e não fazer vários executáveis e gerir vários executáveis.

Sabíamos o que era software… quando estávamos os dois dentro de uma salinha e ainda mal vendíamos, apareciam-nos pessoas à porta a quererem comprar computadores, na altura em que se ganhava, para aí, 200 contos, mil euros, na altura, num computador. E podíamos mandar vir um computador e fazer-lhe a venda, mas mandávamos ir à porta ao lado porque sabíamos aquilo que tínhamos. Não podíamos desfocar daquele que era o nosso objetivo, que era fazer software de gestão para o Windows e para as empresas.

Começámos por onde o Windows andava, nos profissionais liberais; fez-se ali um bestseller sem sabermos. Vendeu cem mil euros, 20 mil contos na altura. Tenho a primeira fatura no meu gabinete e, por isso, eram caixinhas que eram vendidas a 14 contos, 70 euros, e que ainda tinha a margem de revenda, para aí 30 ou 40 euros, que dávamos a quem vendia.

Andava a vender pelas lojas, na altura. Hoje ando a tentar ver se estes jovens faturam 50 mil euros no primeiro ano. Por isso nós de facto, fomos privilegiados ali por mérito, sorte, momento, time-to-market... eu sei lá. Aparecemos com um produto bem trabalhado também do ponto de vista da imagem; as caixas eram bonitas, atrativas. Ocupámos um espaço no mercado de lojas português que nos deu esse volume de negócio. Cem mil euros no primeiro ano, depois 250 mil euros no segundo, 535 [mil] no terceiro.

Não tendo sido os primeiros com este tipo de software, qual foi o fator distintivo?

Foi o Windows, fomos os primeiros. A Primavera foi a primeira empresa em Portugal a apresentar produtos para Windows.

Nativos para Windows?

Sim, essa foi a diferença. À luz da transformação que estamos hoje a fazer para a cloud, essa era uma transformação mais fácil, na altura. Esta é muito mais desafiante, sem dúvida. O que nós fizemos foi produtos que existiam em DOS e passámo-lo a fazer em Windows. Com todas as dúvidas que havia na altura, se alguém ia trabalhar no escritório, fazer faturação com um rato, com janelas. Mas esses tabus, essas fobias, foram desaparecendo, muito com a ajuda, também, da própria força do marketing, da Microsoft sobre o Windows.

O que havia na altura em Windows era o Office. O nosso software era comparado com um produto altamente profissional. Tínhamos que fazer um software muito bom, o cursor tinha que rodar. Imaginem trabalhar num Windows que não tem uma ampulheta. Carregava-se e atuava. E na altura não havia componentes para fazer os botões automáticos, apareceram um ano depois. Eram produtos o mais sofisticados possíveis para aquela tecnologia e para o nosso comparativo, felizmente, era com uma marca boa, e por isso, isso desafiou-nos a fazer coisas que víamos nesses produtos que também nós tínhamos que o fazer, apesar de ser mais complicado, levar mais tempo, e assim aconteceu.

Eu e o Jorge fechámo-nos num quarto do apartamento onde ele vivia na altura, fizemos daquilo um escritório, e entre setembro e de dezembro [de 1993], a trabalhar 16 ou 18 horas por dia, fizemos o Contalib, uma contabilidade para profissionais liberais. Basicamente, substituía os livros pretos de receitas e despesas e tratava do IVA e das amortizações aos profissionais liberais, que é onde o Windows começava a entrar. Não tanto ainda nas empresas. Esse produto foi pagando tudo, depois criou-se outro para empresários em nomes individuais e, entretanto, fomos fazendo a faturação, a gestão de stocks, etc..

Sendo que inicialmente não estava previsto, a partir de que altura é que começaram a pensar em expansão internacional?

A internacionalização para os PALOP, primeiro para Angola e para Moçambique, quase em simultâneo, deu-se por acaso. Em Angola, contactámos com um empresário angolano, que queria representar os produtos da Primavera nesse país. Do ponto de vista da legislação, os PALOP estão na penúltima ou antepenúltima versão da nossa. Tivemos um distribuidor que fez a marca em Angola, desde logo em Luanda. Foi um distribuidor exclusivo durante uns cinco ou seis anos. O mercado ganhou uma determinada dimensão e os clientes começaram a exigir outro modelo e então adotámos lá o modelo português. Com um canal aberto, com parceiros que estão certificados de acordo com as suas competências e o número de técnicos que têm com certificações.

Em Moçambique aconteceu exatamente o mesmo. Primeiro tivemos um distribuidor e depois passámos a ter um canal aberto. E hoje a Primavera gere cerca de 350 parceiros, entre parceiros com quem tem uma ligação direta e uma rede, também, de subdistribuidores, que adquirem alguns dos nossos parceiros distribuidores.

Este tipo de produtos permite, agora, uma expansão internacional a uma outra escala ou ainda não está exatamente no âmbito da empresa?

Caracterizo [a Primavera] como uma pequena multinacional que está presente em Portugal, no seu mercado, que significa 70% da sua faturação. E está presente nos PALOP, com 30% da sua faturação, sendo o segundo maior mercado, de longe, o mercado angolano. Depois, há cerca de dez anos, entrámos em Espanha, com o Windows, mas não tivemos sucesso significativo. Temos um conjunto de clientes em Espanha, continuamos a mantê- -los, mas estamos à espera, hoje, das soluções cloud para podermos dar outra passada. Desde logo, esperamos, com o Jasmin, que é o produto para as micro e pequenas empresas, chegar em tempo de novidade ao mercado espanhol que é um mercado, que tudo indica, está menos preparado para a cloud do que está o mercado português.

Quando a Primavera fez, quer no Dubai, quer em Espanha, as suas entradas com produtos Windows, a verdade é que não levou diferenciação. Já existia muita coisa em Windows, por isso era exatamente como se estivéssemos em 1993 com um software para DOS quando já havia tudo em DOS. Acho que essa é a explicação pelo qual não conseguimos ganhar atração e interesse de um canal [de parceiros] – temos primeiro que conquistar os parceiros para eles venderem – porque não tínhamos, de facto, diferenciação.

Em Espanha, juntou-se o facto de entrarmos, precisamente, numa grande crise e quando Espanha ainda tinha uma crise maior que a portuguesa; pedir a parceiros, que já têm dificuldade em tomar conta de uma marca, que invistam na formação de pessoas numa segunda marca, também dificultou. Mas ficou-nos imensa aprendizagem sobre as características do mercado espanhol que é um mercado muito mais difícil do que, à primeira vista, parecia. Independentemente disso, há que ter consciência que para se fazer internacionalização hoje é preciso dinheiro. É preciso muito capital e muito investimento. É isso que nos diz o benchmark que se pode fazer do mercado mundial onde vemos, de facto, players ao nível das soluções para microempresas a se internacionalizarem, que era uma coisa que não acontecia no on-premises.

Para uma empresa como a Primavera, a cloud é um enabler ou abre a porta à entrada de concorrentes que, de outra forma, não entrariam no mercado?

Acho que é um enabler, agora... não deixa de exigir um investimento muito considerável que, provavelmente, a Primavera, com a sua atual estrutura de capital, pode não ter condições para o fazer. Fazer vingar uma marca em Inglaterra onde uma visualização através de AdWords do Google custa cerca de 30 euros, quando em Portugal é um ou dois... é preciso de facto muito dinheiro, muita capacidade financeira para nos afirmarmos dessa maneira.

Acho que o espaço de crescimento da Primavera, neste momento, passa pela questão espanhola. É onde temos recursos e é onde queremos insistir, agora com soluções mais inovadoras para o mercado espanhol. Para já, não seremos os primeiros, já há vários fabricantes em Espanha, como já há 24 em Portugal com soluções para pequenas empresas; isto aconteceu assim com o DOS e agora volta a acontecer. Há novas empresas, novos programas de faturação, com stock, gestão de contas correntes. São ‘novas Primaveras’ que podem vingar ou não, depende agora da capacidade desses empreendedores de fazer um projeto de sucesso.

Falando de cloud, como é que a Primavera está a endereçar este mercado? Com produtos próprios ou a estender o seu produto a parcerias? Como é que a Primavera vê esta transição?

Vemos de forma super prioritária em investimentos muito próprios nessa área.

O Rose — que é o produto que vai ser lançado agora, muito brevemente —, tem a assinatura de Intelligent by Design, o que é significativo. Temos um grupo que se dedica à inteligência dentro do produto. Estamos a construir as coisas de modo a desenvolvermos um outro tipo de produto. Partindo deste princípio, já não temos mais nada a acrescentar sobre a situação atual de uma empresa. Isso é o que fizemos estes 30 anos, quer em DOS, quer em Windows. Isto é, qualquer produto no mundo diz “olha, hoje estás a vender X, este mês estás a vender Y”. Se estou em março tenho isto aqui preenchido até março. Tudo o que está para a frente, estava sempre em branco. Chega a janeiro, fica tudo em branco outra vez. Aquilo que queremos fazer é, digamos, uma bola de cristal. Queríamos trazer ao produto informação sobre o futuro. Essa é a grande diferença, para além da questão tecnológica da cloud.

Com as novas ferramentas, e a partir dos dados de cada uma das empresas clientes e, também, dos dados de uma comunidade muito alargada, podemos dar indicação sobre o futuro a curto, médio e longo prazo. O que hoje já se vê a sair no Jasmin são insights que está a receber; recebe informação sobre se o senhor não fizer isto, os seus resultados no final do ano vão ser assim. Se não comprar, vai ter rutura de stock em outubro, e estamos em junho, por exemplo. A inteligência que estamos a trazer ao produto está a ser fruto dessa investigação.

Com o conhecimento que tem do mercado, quais são os pontos que um gestor tem que ter em conta, agora? O que é que não pode deixar passar em branco?

Não há dúvida nenhuma que as dinâmicas de mudança, em tudo, são imensas. Tudo é diferente do que se passava há dois ou três anos. O conselho que dou é que têm que ter consciência de que têm que se informar. A realidade alterou-se muito nos últimos anos, coisas que não se viam e que agora são banais. Hoje, nenhum gestor pode dizer para si próprio “eu estou descansado, eu sei o que se passa”. Depois, é preciso ter em conta a satisfação das pessoas que trabalham na empresa. As pessoas valorizam muito trabalhar na Primavera porque tudo o que pedem - nomeadamente os mais responsáveis - para trabalhar, nós dizemos "compre". As tecnologias de informação são imprescindíveis e acabam por ser uma utility, como é o programa de faturação, por exemplo.

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