Face 2 Face

"Medir em gestão é fundamental, o que não se mede não se gere"

Considera-se um gestor científico porque mede tudo o que pode. Mas é também um empresário de paixões, que adora o que faz, e que acredita que a base do sucesso está no foco nas pessoas e na utilização da tecnologia e da inteligência artificial para que esse trabalho seja mais fácil

"Medir em gestão é fundamental, o que não se mede não se gere"

A PHC completa este ano 30 anos. Que balanço faz deste tempo à frente da empresa?

Ainda estava na faculdade quando comecei a empresa com o Miguel Capelão. Não começámos numa garagem, porque na altura não havia nenhuma, mas era um canto de uma empresa que nos tinha emprestado um espaço (risos). Evoluímos à volta do mundo da gestão e do software como uma das melhores ferramentas para a empresa se gerir melhor e ser mais produtiva. Começámos por vender ao público, depois criámos um sistema de rede de parceiros, que resultou bastante bem. Hoje temos mais de 30 mil clientes, e acima de 100 mil utilizadores a usar diariamente o nosso software. Este é o balanço mais interessante: termos a noção de que há milhares de empresas que se gerem a si próprias – e satisfeitas – com aquilo que fizemos aqui.

Quando começaram o que pensavam fazer?

Desde o primeiro ano de faculdade que pensava em abrir uma empresa. Quando cheguei ao terceiro, desafiei o Miguel a abrir uma empresa de consultoria – eu estava no curso de gestão, o Miguel no de engenharia –, e assim foi. O primeiro cliente foi uma empresa que precisava de informatizar-se, pelo que montámos a rede e começámos a fazer software.

Ao longo destas três décadas, com o mundo e a tecnologia a mudar, quais foram as principais alterações estratégicas que tiveram de fazer para acompanhar esta evolução?

Diria que houve duas alterações vitais. Uma é que começámos a vender diretamente mas percebemos que as empresas e os gestores têm de se focar naquilo que sabem realmente fazer. Percebi que nós sabemos fazer software, mas faltavam- nos competências de consultoria e de implementação. A primeira mudança estratégica foi criar a rede de parceiros especializados. Depois tivemos algumas mudanças 'obrigatórias' como quando o software mudou para Windows, quando chegou o euro, ou quando começámos a criar software para a cloud (os fornecedores, então, ainda se denominavam ASP, Application Service Providers). A segunda mudança estratégica, que é talvez a que acho mais importante e a que mais nos diferencia, é que a certa altura começámos a construir software para o cliente fazer software. Além da base do software, começámos a desenvolver uma série de ferramentas que permitem ao cliente fazer coisas incríveis com a nossa tecnologia.

Alguma vez pensou que ia chegar a esta dimensão?

Não. Nem pensei nem queria. Queria uma empresa pequena. Gosto muito de gozar a vida, pelo que sempre pensei que ia ter uma empresa pequena com dez ou 20 pessoas. Mas, de facto, este é um mundo em que é crescer ou morrer. Hoje ainda é mais verdade. As empresas do mundo do software sempre estiveram num patamar muito competitivo. Hoje há duas guerras, pelo cliente e pelo talento, com competidores diferentes em cada área, com necessidades de marketing em cada área, necessidades de software em cada área. Fala-se muito do customer experience, mas eu estou altamente focado no employee experience. E isto dá-me imenso prazer, gerir isto, e estas duas frentes são muito divertidas. Mas não, nunca pensei chegar aqui e ainda nem acredito bem nisto.

Quais são as caraterísticas do talento mais difíceis de encontrar?

Procuramos sempre no talento a combinação de duas coisas: skill e a paixão. Para nós uma pessoa que adore fazer o que faz é uma dádiva, para ela e para nós. É muito mais fácil ser altamente profissional se gosta do que faz, é mais fácil aguentar as dificuldades e as frustrações, e traz uma resiliência incrível. Em relação às skills, há hoje mais procura do que oferta em algumas áreas como programadores, testers, analistas, user experience... todas estas novas profissões em que há pessoas que ainda nem sabem que têm as competências para elas.

Faltam recursos especializados em Portugal?

Pessoas para funções como administrador de dados, performance manager, etc... há pouco em Portugal. Não que não haja ótimos, mas é por isso que temos uma grande competição na luta do talento com outras empresas que vêm para cá buscar este talento, o que torna a luta mais animada. Acima de tudo, acho que tem uma vicissitude incrível: aumentamos o nível dos portugueses, que é uma coisa que eu adoro, e para manter o nível deste talento é preciso subir o nível da gestão. Ou os gestores estão à altura, ou o talento 'vai-se' num instante. Há pessoas que todos os dias recebem uma proposta pelo Linkedin. Já não há hipótese de o gestor esconder o talento, ou de tratar mal as pessoas. Portanto, eu acho que toda esta competição é ótima, ajuda a manter-me ativo e atento a todos os gestores e líderes. Um dos focos que as empresas têm que ter é a liderança e para mim isso é prioritário.

Quando refere a importância de atrair pessoas com paixão, como consegue perceber se a têm num processo de recrutamento?

Temos muitas técnicas e acho que posso dizer que corre bem 75% das vezes. Se perguntarmos à pessoa se tem 'pica' logo de manhã para ir trabalhar, e o que é que lhe dá 'pica', a forma como ela verbaliza diz tudo.

E conseguem manter a vossa pool de talento com recursos nacionais ou têm de importar?

Temos nove nacionalidades na PHC, mas a maioria da equipa é portuguesa. Sou um grande apologista da diversidade porque só do debate e da confrontação de ideias é que vem a inovação. Temos 42% de mulheres, numa área que costuma ter 20%, e pessoas de vários países. Mas falta-nos tudo. Temos mais de 30 vagas em aberto, umas mais difíceis de preencher do que outras, mas também somos exigentes, não podemos aceitar pessoas que não têm paixão ou pessoas que não encaixam com os nossos valores. Um dos nossos valores é a coesão, e temos uma preocupação gigantesca com o bom ambiente. Costumo dizer que estamos focados no best experience at work.

Em que se materializa esta experiência de trabalho?

Em três vertentes muito simples: uma, que é o best place to work, a outra que são as melhores condições para trabalhar - as pessoas têm de ter o melhor PC, a melhor cadeira, a melhor luz, olhar para fora e não ver só prédios à frente - e, depois, têm de adorar estar aqui, têm de sentir-se bem, e tudo isso depende do ambiente e do espírito que existe. Para que tudo funcione damos muita formação. Por exemplo, uma pessoa mal disposta é contagiante, portanto todos têm que ter noção disso, perceber o que provocam nos outros. E este projeto, o Happy PHC, é muito mais. É um projeto para a felicidade, com recurso a técnicas de self awareness, de perceber onde é que eu estou, que sou eu que decido, acreditar nisto. Então chamámos, por exemplo, artistas de teatro para passar esta mensagem às pessoas de uma forma diferente, porque isto não é uma coisa que passa com formação. Fizemos iniciativas de mindfulness e meditação para que as pessoas tenham esta atitude introspetiva e percebam o que querem fazer e quais são realmente as suas paixões. Fizemos esta formação de atitude para a felicidade e também formámos os líderes para eles passarem às suas equipas. Além destas duas vertentes, a terceira é um software que temos para medir a felicidade.

E como é que isso funciona?

Temos várias formas de medir mas, resumidamente, analisamos como as pessoas usam o nosso software. De vez em quando, o software pergunta qual é o estado de espírito em que se encontra, e a pessoa responde se quiser. Temos também um sistema de governance em que as reuniões one to one são obrigatórias e pré-marcadas para haver um espaço em que o líder ouve o colaborador, tendo de classificar em que medida é que o encontrou feliz ou não. E depois, com a data science, fazemos estas ligações – que lideres é que estão mais longe do que as pessoas pensam - e temos ações de treino e de mentoring para resolver essas questões. Ou seja, medir em gestão é fundamental, o que não se mede não se gere. Eu sou um gestor muito científico e prefiro medir tudo, até a felicidade e o nível de compromisso. A medição no momento não diz muito, mas em termos estatísticos há uma coisa que diz muito: se a pessoa ontem responde que de 1 a 6 o seu nível de felicidade naquele momento é 4 e no dia seguinte já diz que é 3, isso significa que algo aconteceu. Portanto, tudo o que são tendências e extrapolação de dados para fazer regressões permite-nos saber se há problemas ou se é preciso mudar alguma coisa. Esta é a visão que eu tenho de um gestor moderno, focar-se nas pessoas e utilizar o mais possível a tecnologia e a inteligência artificial para que esse trabalho seja mais fácil.

A vossa internacionalização, por via dos parceiros, foi também a porta de saída de Portugal. Porque apostaram nos mercados em que estão?

Cada um tem a sua razão. Primeiro, os mercados de língua portuguesa porque o software estava em português. Mas são mercados com uma capacidade de crescimento reduzida e, por isso, avançámos para Espanha. Testámos Sevilha e Galiza, sem grande sucesso, e agora estamos em Madrid onde está a correr bastante melhor. Mas claramente é um mercado que para uma empresa portuguesa é muito difícil. Chegámos à conclusão de que a possibilidade de o nosso software se adaptar é ideal para países que estão a desenvolver-se e não para mercados já superdesenvolvidos, onde a concorrência é brutal. Então identificámos a América Latina como uma grande oportunidade, e escolhemos o Perú para começar. É um país em que a autoridade tributária está a começar em força a criar regras de compliance legal complexas, o que significa que as empresas precisam de software e que as empresas de midmarket já têm consciência da importância do software para a gestão. Entrámos, a sério, há um ano, mas na realidade entrámos há três ou quatro, primeiro só com parceiros, mas sem escritório. Agora já estamos com uma equipa de cinco pessoas e já temos uma série de clientes.

Mas há desenvolvimento lá ou é todo feito aqui?

O desenvolvimento do software tem uma parte core e depois tem a hipótese de o cliente desenvolver em cima. Portanto, o core é todo feito aqui, mas já temos a equipa e os parceiros de lá a desenvolver adaptações locais no software. Está a correr muito bem no Perú. O objetivo é estabilizar lá, ter uma equipa forte para poder dar apoio comercial e técnico naquele fuso horário. Estamos a consolidar no Perú para depois expandir para outros países que estamos a estudar.

Já pode revelar quais serão esses países?

Acho que serão o Chile e a Colômbia, que são os países mais desenvolvidos da região, mas também estamos a estudar Equador e Bolívia. Todos os governos estão a chegar à conclusão que só com impostos às empresas é que vão conseguir ir buscar mais receita fiscal, como fez Portugal. O nosso país é um caso de estudo, há autoridades tributárias do mundo inteiro a virem cá ter formação com as nossas equipas. O facto de todas as empresas em Portugal serem obrigadas a ter software põe logo o país na dianteira.

Olhando para o mercado nacional, a maior parte das empresas já tem consciência dessa importância do software?

Estou a trabalhar para que seja uma maioria, mas ainda há muitos gestores 'à antiga'. Claro que o mercado está tão competitivo nesta área que, aos poucos, essas empresas estão a desaparecer. Mas existe uma nova geração de gestores modernos, de facto, com essa consciência de que a tecnologia é importantíssima. Nós cada vez mais tentamos trazer os resistentes para este mundo, que reflete um aumento exponencial do poder do cliente. O cliente pode trocar de empresa com uma facilidade incrível e a única solução é manter os clientes e angariar outros através de tecnologia de customer experience.

Quais são os grandes desafios, chegado a este nível?

A internacionalização é um desafio constante, já faz oito por cento das nossas vendas, mas eu queria que fosse muito mais. A internacionalização é o desafio número um. O segundo é toda esta parte da best experience at work, nós não queremos ser uma empresa normal, queremos ser um exemplo e ir muito mais longe. E isso tem muitas barreiras, é preciso investir muito dinheiro, e ocupa muito tempo.

As novas instalações são a materialização deste desafio?

São mais um passo. Acho que o primeiro foi a gestão da cultura profissionalizada. As novas instalações são mais uma oportunidade de realizar alguns sonhos. Vamos ter, por exemplo, uma biblioteca para que as pessoas possam trabalhar sossegadas. Mas, como este sonho, existem muitos mais sonhos que vamos tentando concretizar.

Tags

NOTÍCIAS RELACIONADAS

RECOMENDADO PELOS LEITORES

REVISTA DIGITAL

IT INSIGHT Nº 52 Novembro 2024

IT INSIGHT Nº 52 Novembro 2024

NEWSLETTER

Receba todas as novidades na sua caixa de correio!

O nosso website usa cookies para garantir uma melhor experiência de utilização.