“Devemos competir por propriedade intelectual e não porque os nossos custos salariais são mais baixos”

Pedro Afonso, que assumiu o papel de CEO da Vinci Energies no início de fevereiro de 2019, explica o que é o trabalho deste grupo em Portugal e como é que o país pode competir em todo o mundo: através da competência e da propriedade intelectual.

“Devemos competir por propriedade intelectual e não porque os nossos custos salariais são mais baixos”

IT Insight – O que é o grupo Vinci Energies e qual é a sua atividade em Portugal? 

Pedro Afonso – A Vinci Energies é o braço do grupo Vinci que agrega as marcas que andam à volta de duas grandes revoluções: a transição energética e a transformação digital. 

Organizamo-nos sempre em cinco grandes marcas. Tipicamente as quatro marcas tradicionais do grupo, que são marcas internacionais. 

No caso do IT a Axians; depois na área de automação industrial, a Actemium; depois para linhas de alta tensão temos a Omexom; a quarta marca é a Vinci Facilities, que trata do facility management nas áreas de energia; e a quinta marca, que é uma marca local, portuguesa, que trabalha nos smart building solutions, que é a Sotécnica. 

O perímetro Portugal tem mais coisas do que Portugal. Temos quase cem pessoas a trabalhar em Moçambique onde temos duas grandes atividades. Começámos por desenvolver um grande projeto, que foi o edifício do Banco Nacional de Moçambique, onde tudo o que é energia e IT foi implementado e está a ser gerido pelas empresas da Vinci Energies, e entrámos há cerca de um ano no norte de Moçambique num projeto de exploração de gás. 

Temos um segundo perímetro que é Angola. Aí, a marca mais forte é a Axians onde já estamos há mais de dez anos a servir clientes, sobretudo na área da banca. 

Depois, criámos recentemente uma empresa no Luxemburgo para servir alguns clientes da Comissão Europeia que reporta também aqui a Portugal. O portfólio de clientes tem um executivo que está a desenvolver negócio e atividade a clientes que nós chamamos de Instituições Europeias e Internacionais. 

Depois, temos uma atividade internacional permanente, sobretudo naquelas áreas onde ganhámos bastante experiência aqui em Portugal com alguns clientes nossos e que estamos agora em setores semelhantes. 

Na área da energia fizemos um deployment em redes de energia elétrica aqui em Portugal e recentemente ganhámos um projeto no Qatar, e isso foi ganho, desenvolvido e será entregue por portugueses. 

É um projeto a quatro anos, de 26 milhões de dólares, e quer colocar comunicação, computação e inteligência em redes elétricas no Qatar para servir um grande propósito que é o Mundial [de futebol] de 2022. Estamos a falar de ar condicionado nos estádios abertos, por exemplo, e vai ser preciso dotar as redes de energia do país com esta dinâmica tecnológica que é necessária. 

Hoje não é possível desenvolver atividades de negócio em áreas mais relacionadas com automação industrial ou com a energia que não tenham uma componente tecnológica importante. Isso faz parte do nosso ADN e é natural que nós consigamos encontrar isso em empresas nossas fora do ICT. 

 

A Axians é uma empresa de ICT, mas sendo o ICT central a todas as outras atividades, as empresas têm as suas próprias competências na área? 

Tem as suas próprias competências ou recorrem à Axians para poder resolver um ou outro problema. 

Nós somos uma rede hiperdescentralizada. Os gestores têm autonomia para desenvolverem os seus mercados e fomentamos muito o networking entre os gestores de negócio porque cada vez que fazemos isso há boas ideias a surgir no trabalho de equipa. 

Uma mais-valia de trabalhar numa empresa como a nossa é que não temos um corporate centralizado onde as decisões são todas tomadas. Os próprios países têm a sua autonomia. 

Costumamos dizer que quando temos uma pessoa à frente do cliente, ela tem que ter toda a informação disponível e a autonomia para tomar a decisão à frente do cliente e pensar com o mesmo numa solução para o problema que tem. Isso é a base de uma empresa como a nossa, que tem um ativo que são as nossas pessoas. 

 

Há alguma área específica onde Portugal constitua um centro de competências, um exemplo para outros países? 

Sim. Por exemplo, este projeto do Qatar: há três empresas na Europa com este know-how e foi Portugal o país escolhido para, dentro do grupo, responder aquele caderno de encargos por causa do nosso conhecimento. 

Há uma característica em que acredito muito. Hoje fala-e muito de nearshore e de trazer trabalho para Portugal e de fazer aquela viagem de que Portugal é competitivo. Gosto pouco de vender serviços e projetos porque somos competitivos do ponto de vista do preço. 

Acho que devemos competir por propriedade intelectual e não porque os nossos custos salariais são mais baixos. Por uma única razão: daqui a dez anos vai aparecer um país mais barato do que nós e do que já fomos. 

Percebo que para os gestores e acionistas que são mais focados no curto prazo seja uma coisa mais interessante, porque são números que conseguimos fazer logo, porque hoje é difícil encontrar pessoas nestas áreas e Portugal pode ser, desse ponto de vista, mais competitivo, mas a médio ou longo prazo acho que vamos pagar isso muito caro. 

Tudo o que é nearshore porque somos mais baratos, tudo quanto são operações porque somos mais competitivos em termos de preço, porque os nossos salários são mais baratos, nós tentamos fugir e, já agora, não temos nenhuma dessas operações na nossa operação portuguesa. 

 


“A característica do nosso negócio é de criar e de cocriar com o cliente. Isso desenvolve uma necessidade de criatividade” 


 

Nessa lógica que referia, e estando enquadrado dentro de um grupo, têm autonomia para definir âmbitos regionais? 

O nosso grupo é hiperdescentralizado. Isso implica que o desenvolvimento do nosso talento, das nossas pessoas, dos nossos gestores, se faça num sentido que é o do empreendedorismo. 

Desde cedo que as pessoas entram nos nossos quadros e aprendem o valor do empreendedorismo. 

O que é que isto significa: a característica do nosso negócio é de criar e de cocriar com o cliente. Isso desenvolve nas nossas pessoas uma necessidade de criatividade e de encontrar soluções para problemas concretos dos clientes. 

Este mecanismo mental que é trazido para as pessoas, é também trazido na dimensão de captura de negócio. 

Quando injetamos na nossa cultura, quando desenvolvemos esta forma de pensar, temos gestores, build managers, diretores executivos, que, de alguma forma, têm o espaço para fazer scouting fora daquilo que é o perímetro que lhes foi inicialmente dado. Isto é algo que vem de cima a baixo, em toda a nossa organização, e que faz parte do nosso ADN. 

Uma pessoa a quem é dado um perímetro e simplesmente o faz e não acrescenta mais nada, não é isso que é pedido a uma pessoa. O que é pedido é que haja um rebentar com a caixa, uma exploração, vamos forçar para que a caixa fique maior. Esse é um dos nossos traços enquanto empresa. 

 

Quais são as principais áreas de oportunidade para o grupo Vinci Energies? 

O momento económico, embora alguns dados mais macro digam que vem aí um problema, atualmente ainda é positivo. Com o nível de diversificação que nós temos hoje do ponto de vista geográfico e de portfólio internacional, se Portugal pode vir a ter algum problema daqui a alguns tempos, os restantes três espaços geográficos onde estamos devem manter- se num nível interessante de desenvolvimento. 

A nossa área de smart buildings vai manter-se em desenvolvimento nos próximos três, quatro anos sem grandes problemas. Depois temos uma outra zona bastante interessante e que é uma oportunidade concreta, também com o desenvolvimento da economia, que é a área de automação industrial. 

A nossa área de facilities management; hoje quando pensamos na gestão do edifício é uma questão cada vez mais tecnológica com o utilizador no centro. Quando pensamos num edifício de escritórios que tem uma componente de energia e ICT muito forte, coloca a pessoa no centro e isso, independentemente da crise, vai continuar a acontecer. 

No ICT diria três ou quatro grandes áreas. Uma área é a ‘cloudização’ de tudo o que se faz. O processo de migração para a cloud está neste momento em massificação e é uma das nossas áreas de crescimento e desenvolvimento. Depois, a automação disso com os serviços; tudo o que sejam serviços geridos vão passar a ser cada vez mais automáticos, vão ser cada vez mais processados e entregues através de algoritmos, é um caminho inevitável. 

Há ainda um terceiro muito importante e um quarto transversal. O terceiro tem a ver com a inteligência artificial, a utilização de bots que vão ter cada vez mais inteligência e que vai ser cada vez mais um substituto dos trabalhos que são mais baratos e mais indiferenciados. 

A quarta área é a cibersegurança. Este é um pilar muito importante. Costumo dizer que a cibersegurança só tem um problema: o tema é aborrecido até que passamos por ela. 

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