Cristina Marinhas, CEO da Quidgest, fala sobre o percurso que a empresa está a tomar, os desafios que a indústria, no geral, enfrenta, e como os clientes podem endereçar as questões da transformação digital
Como tem sido o percurso da Quidgest? Somos uma empresa com 30 anos e o nosso foco foi sempre desenvolver software. Acho que o que nos distingue das outras empresas é termos a noção de que o software não pode ser feito de forma artesanal; procurámos desde sempre automatizar. O software é como produzir um carro, temos de industrializar a sua produção – e para isso é preciso que seja automático, não podem ser meia dúzia de programadores dedicados. Em 1992 surgiu a ideia de termos a nossa própria plataforma, que nós chamamos Genio, que é o nosso gerador de código. Para além de se alinhar com esta nossa crença, também nos ajudou de outra maneira. Fala-se muito agora que não há recursos, não há programadores, mas isto não é uma coisa de agora, sempre houve [este problema]. Se calhar agora é mais visível, mas há 25 anos já se fazia sentir, e isto foi uma maneira de colmatarmos a falta de programadores. Com este modo de produzir software, podemos ir buscar pessoas de várias áreas e não precisam de programar; precisam é de saber do negócio para o qual vão desenvolver o software. Temos aqui pessoas de história, de geografia, de engenharia, de química, de física, gestão – qualquer uma destas pessoas pode desenvolver um sistema. Este foi o nosso percurso. Os nossos sistemas são, normalmente, sistemas que desenvolvemos para os nossos clientes, são estruturantes e complexos. Esta maneira de produzir software tem também a vantagem de permitir muito contacto com o cliente. O que estão a desenvolver internamente disponibilizam também aos vossos clientes? A nossa plataforma não foi, até há pouco tempo, objeto de licenciamento para fora. Há mais ou menos dez anos criámos o que chamamos a Academia, para formar pessoas no Genio, não só as nossas pessoas como também as que quisessem vir aprender, e ao mesmo tempo para formar uma rede de parceiros que utilizassem a nossa tecnologia para fazer os seus projetos. Normalmente não disponibilizamos a plataforma diretamente aos clientes, porque na maior parte das vezes não demonstram interesse em ter esse tipo de tecnologia; querem o produto acabado e depois querem o nosso apoio. No entanto, se isso for uma pretensão do cliente, podemos fazê-lo. Trabalhamos com parceiros, que são formados na plataforma e depois podem formar os projetos deles. Aí sim, temos um modelo de licenciamento próprio para isso. Como está a ser o vosso processo de internacionalização? O nosso modelo de internacionalização é sempre através de projetos e de parceiros. É sempre bom ter um parceiro local que conheça a cultura, os processos burocráticos que nós, estando fora, não conhecemos. São projetos geralmente de grande dimensão. Tem de haver sempre muito diálogo. Quer seja parceiro ou cliente final, temos muitas interações durante o desenvolvimento do software. Não é no fim que vamos testar a ver se está tudo bem; é ao longo do processo, com muitas iterações. A relação que têm com os vossos clientes é a longo prazo? Estabelecemos uma relação com o cliente que normalmente dura anos, porque o software está sempre a evoluir, e há também a questão de a legislação estar sempre a mudar. Por exemplo, na contabilidade pública, todos anos há novas exigências, há um mapa novo que é preciso fazer, há mais um report que é preciso fazer para o tribunal de contas. Ao longo dos anos, quais têm sido as principais dificuldades que têm encontrado? Quando começou a automação de sistemas, existiram muitas organizações que compraram sistemas que não faziam nada e houve uma ressaca de investimento porque as pessoas pensavam “já gastei dinheiro naquilo e não fez nada”. Havia muito receio de implementar coisas novas. Acho que essa parte já passou. Da minha experiência, acho que o cliente português é muito dado a estas coisas, gosta de ser o primeiro a implementar e a estar na vanguarda. As dificuldades são mais a nível da decisão. Em Portugal temos um problema na tomada de grandes decisões, que privilegiam muito o que é estrangeiro, e as soluções nacionais têm essa dificuldade – não estou a defender o protecionismo, mas acho que devia haver igualdade de circunstâncias. Havia uma altura em que se podia catalogar o software em caixas fixas – ERP, CRM, por exemplo. Hoje, ainda conseguimos fazer isto ou é mais complexo? Conseguimos fazer isso, mas não vai ser tão funcional. Estes sistemas são muito mais complexos, está tudo interligado, tem de estar tudo integrado. Quanto maior for a organização, mais isto se faz sentir. Não posso gerir a parte financeira sem saber os recursos que tenho, sem saber o que preciso de gastar; as organizações querem tudo integrado. As pessoas querem um sistema integrado que lhes dê resposta em termos de gestão de pessoas, da parte de financeira, de gestão de stocks, etc.. Pode funcionar isoladamente, mas assim o cliente não vai tirar o partido que tira de um sistema integrado. Os portugueses ainda têm a mentalidade da caixa, ou já vêm com a visão da integração? A abordagem holística parte do vosso lado? Nós procuramos sempre abordar isso, os nossos consultores fazem muito esse trabalho, de explicar as vantagens que terá outra solução que não seja um sistema totalmente isolado do resto. A resistência até pode partir de uma questão financeira, do cliente não ter recursos para comprar um sistema que abranja a organização toda. Nestes casos, pode começar com um sistema mais pequeno e depois vamos integrando os outros componentes. Por vezes são projetos faseados, mas nas grandes organizações partimos logo para uma solução integrada. Também acontece, por exemplo, uma organização mais pequena ter um problema localizado e precisar de uma solução só para aquilo. Qual é a área que os clientes procuram mais? Em termos de transformação digital, qual é a vertente mais procurada? Depende. Os últimos projetos que tivemos este ano foram ERP, mas há uma vertente também grande que é a parte de libertar as empresas dos papéis – da gestão integrada da documentação, evitar a burocracia, saber sempre onde estão os documentos e o prazo de resposta, etc.. Depois temos projetos interessantes, como o da Cinemateca, em que o sistema permite informatizar e catalogar tudo o que eles têm – desde filmes, publicações, vídeos – para ser mais fácil consultar estes conteúdos. É o sistema core do que eles fazem e assim podem disponibilizar sempre a qualquer momento todas as obras que têm ao público, localmente ou através do portal. Outro projeto, por exemplo, é com uma grande empresa de telecomunicações, na Alemanha, na sua área core do e-Learning. Quais são as recomendações que deixa para os clientes? Em termos de transformação digital, penso que têm de se apressar. Hoje em dia nós vemos isto em todas as áreas. Por exemplo, no retalho, se uma empresa não tiver uma loja online, vai perder quota de mercado. A mesma coisa com as agências de viagem e hotelaria, mas aí já estão muito avançados. Acho que isto se vai estender a todas as áreas. Quem não acompanhar esta evolução vai ter alguma dificuldade. E depois há outra questão: Portugal é um país pequeno e se as empresas querem crescer têm de ir para o mercado internacional. Quais são as previsões para 2020? Automação, modelação e geração automática de código serão as tendências, até porque hoje em dia se fala muito em inteligência artificial nesta indústria. Para nós, como produtores de software, a visão é esta. Por um lado, porque não há gente suficiente para trabalhar código manualmente, e depois porque cada vez há mais necessidade. Todas as indústrias trabalham com software. O software está em todo o lado. A indústria do software tem de ser produtiva o suficiente para dar resposta às solicitações crescentes. A forma como a Quidgest dá resposta a esta tendência é através do nosso modelo de negócio, do Genio, da programação automática; estamos convencidos de que este é o caminho que a indústria de software deve percorrer. |