Daniel Madrid, CIO da Volkswagen Autoeuropa, conduz-nos pelo departamento de IT da fábrica de Palmela – que contribuiu com 1,3% para o PIB português em 2023 –, e dá-nos a conhecer a missão das novas tecnologias na cadeia de produção automóvel, assim como os planos para o futuro sustentável da indústria
Como está organizado o departamento de IT da Volkswagen Autoeuropa? No departamento de IT temos a responsabilidade de implementar e apoiar projetos que envolvem novas tecnologias, novos sistemas ou novas infraestruturas, mas também de garantir que tudo o que já temos funciona corretamente. Somos uma empresa de produção, com um elevado volume de automóveis produzidos todos os dias, por isso precisamos de garantir que tudo esteja a funcionar corretamente. Por um lado, temos responsabilidade sob a introdução de projetos, incluindo a digitalização ou as novas tecnologias que nós já temos; por outro, a equipa também é responsável por garantir que tudo o que já temos funciona perfeitamente. Dividem o tempo entre projetos e operações diárias relativas às aplicações. Temos uma outra equipa que é responsável pelo que chamamos de operações, que está relacionado com infraestrutura, servidores, databases, backups e esse tipo de operações; temos outra área que é a segurança, importante em relação a tudo o que precisamos de configurar para a segurança dos nossos sistemas e infraestrutura. E, por último, mas não menos importante, a parte de governance. Está relacionada com a parte financeira de IT, os processos, as regulações, por aí adiante. Temos, obviamente, muita relação/comunicação com a Alemanha, uma vez que usamos vários sistemas do Volkswagen Group, mas também temos a responsabilidade local sobre tudo o que está instalado aqui em Portugal, incluindo algumas aplicações locais. Em geral, esta é a forma como estamos organizados, como gerimos e como garantimos que podemos suportar tudo o que já temos e também introduzir novos projetos e novas aplicações. Cada fábrica da Volkswagen tem a sua própria autonomia? Nós temos alguma autonomia, mas sempre dentro daquilo que são as regras e regulamentos do grupo. Quando temos um novo requisito ou necessidades por parte de algum dos departamentos, geralmente tentamos entender se já temos alguma solução disponível no grupo porque isto, obviamente, ajuda- -nos a reduzir o tempo de implementação e também nos permite integrar outras partes. Se isto não for possível, nós temos um processo para garantir que encontramos uma solução que se encaixe nas necessidades. Por exemplo as ferramentas de digitalização: temos dentro do grupo um framework de ferramentas que nós podemos utilizar. No entanto, nós também podemos desenvolver algumas aplicações específicas para as áreas que precisam, temos essa possibilidade. O panorama do sistema que temos é um mix entre as aplicações do grupo Volkswagen e as aplicações locais. Nesta indústria é fundamental que o IT esteja alinhado com outros departamentos. Como é que gerem esta colaboração entre as diferentes áreas da empresa? Em primeiro lugar estamos alinhados com os objetivos da organização. Temos um plano específico, em conjunto com todas as áreas, como sejam as prioridades da empresa como produção de automóveis, produtividade, co-savings, assim por diante. Nestes frameworks o que fazemos é falar com cada uma das áreas para alinhar quais os requisitos que têm e quais as capacidades que nós temos para lhes entregar. Temos, por exemplo, revisões periódicas, comités de gestão, onde discutimos os projetos, assinamos recursos e assim por diante. Desta forma, conseguimos assegurar que o que estamos a fazer, o que estamos a desenvolver junto das áreas está alinhado com a estratégia da empresa. A estratégia da empresa está obviamente alinhada com a estratégia do grupo e da marca como um todo. A comunicação é essencial. E mesmo que nós tenhamos muitas ferramentas técnicas, é sempre importante comunicar e falar com as pessoas para alinhar necessidades e prioridades. Há muitas coisas a fazer e é por isso que é importante fazer este exercício de priorização. De que forma é que a transformação digital está a impactar os processos de produção e supply chain? Tal como em muitas outras empresas, nós também começamos uma jornada digital. E a primeira coisa que fizemos juntos com a empresa foi definir qual a nossa visão em relação à digitalização. Definimos que queríamos ser uma empresa data-driven. É isso que queremos fazer. Estamos focados em melhorar os processos de produção, utilizar tecnologias como a inteligência artificial, a realidade virtual, dados, big data ou data analytics para melhorar o processo de produção, ganhar produtividade, mas também para oferecer aos decisores a informação de que necessitam para tomarem decisões mais rapidamente. Nós temos uma grande quantidade de sistemas e a questão que se impõe é como é que podemos utilizar o melhor possível toda a informação que produzimos. Um dos maiores desafios é o facto de nós termos sistemas operativos. Estes sistemas podem apoiar diferentes processos de produção ou logísticos e o ponto principal é como é que nós usamos essa informação de uma forma lógica para que as pessoas possam tomar melhores decisões e de forma mais rápida. Todo esta abordagem da transformação digital prende-se com a forma como fazemos o trabalho que precisamos de fazer, de forma mais rápida, precisa, com maior capacidade e também permitindo às pessoas terem o tempo suficiente para se focarem em atividades de valor acrescentado. Em particular, temos alguns projetos que estão focados na produção e que têm o objetivo de apoiar este processo a fim de prevenir e identificar problemas aos quais possamos responder mais rapidamente. Como é que a empresa está a tirar partido da inteligência artificial para melhorar os processos de produção? Temos uma solução designada industrial computer vision, onde a ideia principal é que com as câmaras que temos dentro da linha de produção possamos identificar defeitos ou problemas em alguns pontos específicos na linha de produção. Precisamos de utilizar a inteligência artificial para treinar um modelo para termos a certeza de que é capaz de identificar a posição correta e incorreta de alguns materiais. Isto tem, obviamente, muito potencial porque nós podemos fazer uma identificação mais rápida e também identificar onde é que estamos a criar problemas e agir antes que os mesmos aconteçam. Esse é um dos exemplos que nós temos. Estamos também a aumentar a quantidade de postos onde estamos a usar essa tecnologia para apoiar o processo de produção e para melhorar a qualidade, por exemplo, e garantir que os automóveis que estamos a produzir tenham a qualidade esperada. Estamos a usar o Road Test Predictor, onde conseguimos prever se um automóvel necessita de realizar um teste mais específico ou não. Estas são soluções que são aplicadas aqui na Volkswagen Autoeuropa e que têm um framework conjunto para o grupo Volkswagen. Quais as principais estratégia que a Volkswagen Autoeuropa tem adotado para atrais e reter talento na área do IT? É um grande desafio porque às vezes nós relacionamos o IT com programação ou com desenvolvimento de aplicações e, às vezes, não é assim tão fácil de explicar. Numa fábrica como esta, por exemplo, não é só essa parte do papel, mas tudo o que é necessário para garantir que uma infraestrutura de IT funciona. As estratégias que estamos a aplicar são, obviamente, em primeiro lugar para as pessoas que já temos on board, que são muito boas especialistas para upskilling e reskilling, através da oferta de formação e projetos atrativos, porque também é uma forma de aprender e também uma forma de reter as pessoas. A introdução destas novas tecnologias e destes novos use cases também é apelativa para os trabalhadores que estão dispostos a aprender e a compreender, criando o sentimento de crescimento. Os recursos humanos têm um programa específico com as universidades em que apresentamos o nosso trabalho e tentamos atrair novas pessoas através dos desafios que temos. A indústria automotiva é bastante complexa e tem muitos desafios, para além de estar em constante mudança. Com todas estas tecnologias, as mudanças não são apenas no sistema que usamos para as operações diárias, mas também no automóvel em si. O produto está a mudar, e às vezes o produto muda mais rapidamente que os restantes aspetos. Mas eu acho que isso também é um aspeto atrativo para os jovens entrarem numa fábrica. Também por causa da importância e do tamanho da Volkswagen Autoeuropa…é um aspeto apelativo para as pessoas trabalharem na fábrica. Na sua opinião, de que forma é que as tecnologias emergentes podem ter impacto na indústria automóvel? Já estão a impactar, de alguma forma? Esse é o ponto. Sempre que falamos sobre sistemas, pelo menos aqui na Volkswagen Autoeuropa, nós fazemos a distinção de dois mundos: o mundo do produto em si, o automóvel em si, que aos dias de hoje tem mais e mais componentes de software, componentes de hardware e, obviamente, o landscape de sistemas que usamos na fábrica para executar todos os processos de produção do veículo. As tecnologias que nós temos em relação aos produtos, a inteligência artificial, o automóvel conectado, as redes 5G e todas estes aspetos estão, obviamente, a redefinir a forma como o automóvel é concebido. Não somente em relação aos veículos elétricos, mas também sobre o que precisa de estar dentro de um automóvel. As pessoas que compram ou alugam um automóvel têm necessidades específicas às quais a indústria automóvel tenta responder. Se virem os produtos na China, alguns deles são um pouco diferentes daqueles que nós temos aqui na Europa. E as necessidades dos clientes são diferentes. Como uma empresa de automóveis, o desafio é desenvolver diferentes produtos que vão ao encontro das exigências dos clientes. O desenvolvimento da condução autónoma é um dos pontos em que muitos dos fabricantes de automóveis estão a trabalhar e, com isso, também o que chamamos de automóveis conectados. Nós precisamos de garantir que os automóveis não só falam com os chamados sistemas centrais, mas também falam entre si. Acho que ainda vamos ver muitos desenvolvimentos nesta área: o automóvel conectado, a realidade virtual dentro do automóvel, com alguns veículos a oferecerem jogos dentro do automóvel, não para o condutor, mas para os restantes passageiros. A promessa da condução autónoma é oferecer a capacidade de nos movimentarmos de um lugar para o outro, utilizando esse tempo para fazer outras coisas. Acho que vai depender do mercado, mas talvez dentro de três a cinco anos vamos começar a ver mais e mais automóveis autónomos na China ou noutros lugares. Aqui na Europa não sei, especialmente por causa da segurança, mas acho que estamos nesse caminho. Todas as grandes fabricantes na Europa estão em desenvolvimentos, acho que é o próximo passo e também é algo que os consumidores querem ter. Esse é um dos grandes temas. É preciso garantir que o veículo está a funcionar, que será capaz de se mover de forma autónoma. A ideia é simples, mas colocá-la em prática não é assim tão fácil. Hoje a produção de um veículo é muito mais complexa e, também em termos de produção, a variedade que oferecemos ao cliente, que implica também algum tipo de complexidade em relação ao processo de produção e tudo o que tenha a ver com isso. Os processos de produção são mais complexos porque agora temos mais tecnologia, e mais tecnologia traz também um pouco mais de complexidade. A Euripa tem em mãos um desafio de descarbonização até 2035, data estabelecida para o fim da produção de veículos ligeiros a combustão. Neste sentido, a Volkswagen Autoeuropa também já está a trabalhar numa transição sustentável, com o anúncio da produção de um novo modelo híbrido da Volkswagen a partir de 2025. Como é que estão a preparar o futuro? O grupo Volkswagen já tomou a decisão há vários anos de produzir automóveis elétricos. O grupo tem um plano específico de conversão de diferentes a nível mundial, não somente aqui na Europa, mas também na China, na América (Norte e Sul). Aqui na Europa já começaram nas fábricas na Alemanha, também em Espanha, onde vão começar a produzir alguns automóveis elétricos, e sabemos que, em determinado momento, a conversão será feita em todas as fábricas na Europa. Em termos de IT o que estamos a fazer é modernizar e combinar soluções cloud e todos esses aspetos para ter a certeza de que temos sistemas atualizados e estáveis que suportem a produção. Do ponto de vista do veículo, o Grupo Volkswagen também está a trabalhar em desenvolvimentos em veículos elétricos e automóveis conectados. Estamos a preparar a fábrica para o futuro, para a produção de novos modelos com a tecnologia e o design que o nosso cliente procura. |