“A transformação digital tem de ser um processo holístico onde a tecnologia é uma parte”

Alexandre Ruas, Executive Director da Claranet Portugal, explica, em entrevista, como é que o mercado nacional está a olhar para a transformação digital e o que é que as organizações – incluindo a própria Claranet – estão a fazer para evoluírem

“A transformação digital tem de ser um processo holístico onde a tecnologia é uma parte”

Como sentem a maturidade das empresas nacionais na questão da transformação digital?

Nas últimas duas décadas retirámos grande aprendizagem relativamente aos programas de transformação digital. O frenesim inicial da era digital levou as pessoas a acreditar em abordagens tipo “big bang”. Ou seja, a transformação estava literalmente ligada à sua própria definição: provocar uma mudança significativa em algo ou alguém, resultando em uma nova forma, estado ou função. Surgiram empresas digitalmente nativas e impuseram um sentimento de pânico generalizado e que urgia transformar. Com o passar do tempo e toda a experiência acumulada, as empresas nacionais foram percebendo que a verdadeira sustentabilidade está em ter uma abordagem holística, contínua no tempo e na sua maioria evolutiva. Nem sempre é necessário disromper.

Durante este século, e possivelmente os seguintes, a tecnologia irá manter-se no centro da atividade económica, social e política, e por essa razão, foi (é) fundamental ajustar a estratégia a esta nova realidade. A visão de longo prazo tornou-se fundamental, bem como a análise das diferentes variáveis, técnicas e não técnicas.

Na Claranet o tema da maturidade digital é analisado a cada ciclo de forma a ajustar a nossa estratégia e repensar posicionamento. De forma a nos suportarmos, sempre que discutimos o assunto tendemos a utilizar dados estruturados e objetivos. De acordo com o “Digital Economy and Society Index” da Comissão Europeia, Portugal ocupa o 15º lugar do ranking de competitividade, abaixo da média dos países da EU. Portugal tem realizado um esforço, ao qual a Claranet se associa, para se manter competitivo e se afirmar como Hub Tecnológico para o panorama europeu, realizando vários investimentos em recursos materiais e humanos.

Apostas na requalificação de currículos académicos, na infraestrutura e conectividade, em Data Centers e até no discurso externo, têm-nos ajudado na atração de investimento e na criação de postos de trabalho. É, agora, fundamental continuar o caminho, com um foco especial na criação de valor e marca, reforçando políticas salariais que nos permitam reter os talentos e atrair novos, um bem muito escasso e crítico para os desafios tecnológicos e digitais.

Em poucas palavras, a tecnologia está e estará no centro da competitividade das empresas e nacional, desenvolvemos um caminho que nos deu experiência e maturidade, mas é fundamental continuar a investir com uma estratégia de criação de valor contínua.

Quais são os motivos para que isso esteja a acontecer?

Vou abordar a pergunta de um angulo ligeiramente diferente. Para continuarmos a crescer na maturidade e recuperarmos alguns lugares no ranking da europa, como país pequeno que somos, deveríamos ter capacidade de aumentar o nosso espírito colaborativo e cooperativo, mesmo compreendendo que empresas e instituições podem ter objetivos finais diferentes. Vivemos um mundo global em que alguns dos nossos vizinhos mais próximos, como Espanha, França ou Itália, têm economias cinco a dez vezes superiores à portuguesa, e como tal, multiplicam a capacidade de investir na modernização e digitalização.

Ao mesmo tempo, Portugal, mesmo na tecnologia, está fortemente alavancado no mercado de serviços, que por si só não é mau, mas o posicionamento de competitividade por custos de mão de obra laboral não perspetiva um futuro promissor.

Assim, é fundamental imprimir um esforço de melhoria continua da base salarial, reforçar colaboração, investir no desenvolvimento de produto e marca de forma a nos reposicionarmos na cadeia de valor. Ao mesmo tempo, manter a nossa capacidade de atrair investimentos nas áreas de serviços, que permite aumentar a nossa exposição, ganhar experiências variadas e criar emprego.

O que considera serem as boas práticas na transformação digital, especialmente no que toca à implementação de plataformas de cloud nas empresas? Quando é que corre particularmente bem, seja do ponto de vista de relacionamento entre as partes envolvidas, quer do ponto de vista técnico?

Algo que sentimos na Claranet é que deixámos de ter medo de falhar. Ao invés de penalizar passámos a incorporar como aprendizagem e, de forma a diminuir possíveis impactos negativos, a abordar os projetos com um processo menos complexo e mais limitado no tempo. Quando falhamos, falhamos rápido e com menos impacto, aprendemos e incorporamos essa aprendizagem de seguida. Usando uma “buzzword”, somos mais “agiles”.

Na jornada para a Cloud era comum tomarmos decisões orientadas à tecnologia, que muitas vezes nos tornaram reféns. Hoje, as boas práticas dizem que é necessária uma abordagem holística e orientada ao negócio. Um dos exemplos simples em que os nossos clientes pedem recorrentemente ajuda da Claranet é na eficiência, quer financeira, quer operacional. Estima-se que as empresas “desperdicem” cerca de 20% dos recursos Cloud, o que se pode traduzir em gastos significativos.

De igual forma, dizer que a tecnologia, per se, é pouco significativa é incorreto. Torna-se cada vez mais claro para a Claranet que para um programa de transformação ou evolução digital ter sucesso, é fundamental uma visão de negócio clara, tendo em conta processos, operação, ecossistema, recursos, cultura, e claro, tecnologia adotada.

Por fim, salientar um passo por vezes esquecido, mas que é fundamental no atingimento de metas, de acordo com a experiência da Claranet. A “aculturação” da empresa à nova realidade. Ao longo dos mais de 25 anos de existência a Claranet percebeu que uma parte significativa do sucesso dos projetos está na pós-produção. Ou seja, após o projeto ser entregue com sucesso, é fundamental trabalhar nos processos e metodologias, redefinindo o “modus operandi” da organização. Para tal, é fundamental definir um conjunto de métricas de adoção, treinar toda a organização e acompanhá-la até que a cultura tenha assimilado os objetivos estratégicos definidos.

Quais são os verticais de mercado que sentem que estão a registar um maior crescimento em Portugal?

Vou responder em duas partes, porque considero importante separar a dinâmica mercado e Claranet.

De acordo com grande parte dos estudos disponíveis o mercado IT cresce entre 4% a 6% em Portugal, com sectores como a saúde, indústria e financeiro, juntamente com o setor público, em destaque.

A pandemia, o PRR, a disrupção de alguns modelos de negócio mais tradicionais e o fluxo normal de atualização tecnológica provocaram uma aceleração na necessidade de digitalização do sector público e na adoção de Cloud no sector privado, contribuindo para o crescimento referido e previsão referida.

A segunda parte da resposta tem mais a ver com a visão interna da Claranet e com a nossa estratégia de crescimento por aquisição e crescimento orgânico.

Com o aumento da exposição à internet e a exploração de vulnerabilidades por terceiros, bem como o crescimento exponencial do volume de dados e seu potencial, a Claranet decidiu inovar e fortalecer o portfólio para continuar a responder aos desafios dos clientes end-to-end. Assim, para lá do crescimento conseguido através das práticas de “Cloud & Infra”, “Workplace” e aplicacional “APPs”, e que acompanha o crescimento de mercado, reforçámos a tendência através de “Security” e “Data & AI” nos últimos dois anos.

Em certa medida, as dinâmicas dos diferentes sectores e a tecnologia levaram-nos a querer compreender melhor os ecossistemas para aportar mais valor. Após um período experimental, adotámos uma abordagem de mercado verticalizada, sem perder o DNA tecnológico que nos caracteriza. Atualmente a nossa organização baseia-se em cinco verticais de negócio e dois mercados, “Enterprise” e “Business”, e é com este modelo matricial que pretendemos continuar a apoiar nossos clientes em suas jornadas. Isso refletiu- se num crescimento das receitas no sector das Utilities e Financial Services, sectores estes que fizeram parte do piloto de especialização por vertical e que nos deixam boas indicações da estratégia.

O negócio da Claranet assenta num conjunto de competências organizadas por tecnologias, como cloud, cibersegurança e workplace, e está a fazer uma jornada para endereçar o mercado pela verticalização, como os serviços financeiros, setor público ou indústria, entre outros. Quais são os desafios internos inerentes a esta mudança na forma de endereçar soluções?

A Claranet é uma empresa com cariz ou ADN tecnológico e, em Portugal, com um legado grande de revenda de soluções e produtos, acompanhado de serviços de IT. Dessa forma, fomos desenvolvendo parcerias e uma penetração de mercado que nos alavancou muito o nosso negócio e exposição ao mercado.

Partindo desta base, juntamente com o alargamento do nosso portfólio, competências técnicas e vontade em rebalancear o mix de venda produto/serviço, percebemos que poderíamos ir mais longe na abordagem e ajuda que damos aos nossos clientes. Para tal necessitamos de ser mais consultivos.

Em 2021 começámos de forma mais concreta a definir a nova visão e governo, com foco na proximidade e verticalização da Claranet. Surgiram então as Unidades de Negócio setoriais e dois mercados, que se traduzem em Healthcare & Public Sector, Financial Services & Insurance, Telecom, Media & Technology, Retail e Industry, Utilities & Transportations.

Apesar da complexidade e riscos que uma transformação de governo e cultura organizacional sempre acarretam, a possibilidade de aumentar a efetividade no acompanhamento e relacionamento dos nossos clientes, falar a mesma língua, gerar sinergias de marketing e vendas, reforçando a utilização do nosso conhecimento tecnológico para definir soluções especializadas, juntamente com a ambição de continuar a inovar, leva-nos a acreditar que é a melhor abordagem.

Assim, passamos a ter a figura de “Business Unit” vertical, onde residem os Account Managers, ao mesmo tempo que criámos as “Practices”, onde habitam Sales Specialists e Solution Architects. O sucesso está na articulação destas peças com as equipas técnicas e na adaptação de processos e sistemas. Isto requer uma estrutura colaborativa e focado no cliente.

Durante este ano fiscal, em particular, iremos estar muito atentos às dinâmicas internas, em particular na manutenção das nossas características tecnológicas, que tanto nos diferenciam no mercado e no mix de vendas de produto e serviço.

As áreas de competências tecnológicas e as áreas de competências de negócio normalmente não são protagonizadas pelas mesmas pessoas.

Correto. Preparámos durante um ano, um ano e meio, esta mudança e a liderança das áreas. Tomamos também a decisão de não contratar nenhum elemento externo para liderar Business Units ou Practices, privilegiando o desenvolvimento interno e premiando quem tem suportado a jornada da Claranet. Dessas, e sendo concreto, apenas duas pessoas que lideravam as antigas Business Units tecnológicas estão a liderar as novas áreas de negócio. Os restantes líderes são pessoas que estavam maioritariamente ligadas à atividade comercial. Ao mesmo tempo repensámos a liderança das Practices, trazendo uma visão mais profunda e estratégica de tecnologia e solução.

Assim, passamos a ter a figura de “Business Unit” vertical, onde residem os Account Managers, ao mesmo tempo que criámos as “Practices”, onde habitam Sales Specialists e Solution Architects. O sucesso está na articulação destas peças com as equipas técnicas e na adaptação de processos e sistemas. Isto requer uma estrutura colaborativa e focado no cliente.

Durante este ano fiscal, em particular, iremos estar muito atentos às dinâmicas internas, em particular na manutenção das nossas características tecnológicas, que tanto nos diferenciam no mercado e no mix de vendas de produto e serviço.

Para projetos novos, ainda se coloca a questão on-premises versus cloud? Têm notado maior confiança dos clientes para colocar na cloud sistemas com dados críticos para o negócio?

Tenho dificuldade em dar essa resposta de forma objetiva. Fatores como regulação, requisitos do setor ou de negócio, risco percebido, escalabilidade, entre outros, são críticos na escolha da estratégia Cloud.

A Claranet está totalmente ciente dos prós e contras das várias soluções e manteve desde sempre uma abordagem aberta e isenta. Ou seja, através de parcerias bem sustentadas com os “Hyperscales Public Cloud”, com os principais fabricantes de soluções “on-prem” e ao longo das mais de duas décadas de história temos evoluído os nossos 45 Data Centers espalhados pelo globo, dos quais 2 em Portugal. Dessa forma acreditamos ter sempre a oferta e conhecimento necessário para ajudar os nossos clientes, independentemente da solução.

Com o aumento de complexidade dos ecossistemas tecnológicos e aplicacionais, muitas vezes a melhor solução reside numa abordagem multi e hybrid-cloud, assegurando assim o melhor dos vários mundos e um ambiente mais eficiente, resiliente e seguro.

Vocês mantêm o vosso próprio data center?

Mantemos e reforçámos investimento. Nos últimos quatros anos, entre OpEx, CapEx e o programa NGN (New Generation Network), rondou os sete a oito milhões de euros.

Em Portugal temos Data Center em Lisboa e Ermesinde, ambos Tier 3, o que nos permite ter opções face a requisitos de negócio e segurança, tão importantes para infraestruturas, aplicações e dados críticos.

Enquanto MSP consideramos absolutamente crítico ter a nossa própria solução de Cloud e a resposta do mercado tem sido positiva. Em 2022 ganhámos um dos maiores serviços da história da Claranet Portugal, tendo a Claranet Cloud como grande diferenciador na proposta de valor.

Quais são os conselhos ou recomendações que deixa aos nossos leitores?

Vou fugir de recomendações técnicas uma vez que há pessoas com um nível de conhecimento muito superior ao meu.

Portugal e as empresas nacionais, em particular, têm desenvolvido esforços para se tornarem mais atrativos e competitivos. Há espaço para maior cooperação no desenvolvimento do ecossistema tecnológico nacional. Não pode ser um conjunto de esforços individuais. Deveremos ter capacidade de co-investir em inovação, na melhoria dos salários e condições de trabalho, na formação, na atração e retenção de talentos, colaboração entre empresas e instituições. Com a escala de Portugal, se não trabalharmos todos juntos, teremos certamente mais dificuldade em projetar Portugal na Europa e no Mundo. O mesmo é válido, na opinião da Claranet, para o sucesso individual das empresas e projetos. Com a complexidade e amplitude de soluções tecnológicas, certamente o sucesso reside na capacidade de colaboração, cooperação e parcerias chave com empresas especialistas.

Ao mesmo tempo, como referido anteriormente, a jornada digital é um processo contínuo e basilar no para o desenvolvimento da economia, serviços e sociedade. É fundamental ter uma visão, plano e recursos definidos, não apenas para a evolução como para a segurança e resiliência. O IT não pode ser visto como um custo nas rúbricas financeiras. Este é um grande desafio de mindset que as empresas têm de ultrapassar para se manterem competitivas e sustentáveis.

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