“A simplificação deve ser um ponto importante. Mais vale cedermos na plataforma e termos um compromisso para simplificar”

Paulo Martins, Diretor de IT e Operações do Sport Lisboa e Benfica, foi entrevistado durante a terceira edição da IT Insight TALKS, onde abordou a importância dos conceitos de multicloud e cloud híbrida para as organizações

“A simplificação deve ser um ponto importante. Mais vale cedermos na plataforma e termos um compromisso para simplificar”

O Sport Lisboa e Benfica é mais conhecido pelo lado desportivo, mas tem mais de 20 áreas ligadas diretamente ao negócio. Qual é a importância de uma estratégia de cloud híbrida e multicloud para alcançar os objetivos de negócio?

Identificámos 20 áreas e muitas são mais conhecidas porque, dentro dessas 20 áreas, temos canais de televisão, lojas, clínicas e estruturas digitais, por exemplo, e todas elas são, para nós, consideradas verticais para as quais olhamos do ponto de vista tecnológico, do ponto de vista de necessidades, e são muito díspares entre elas. Se não tivéssemos uma abordagem com uma cloud híbrida ou multicloud, dificilmente conseguiríamos ter um time-to-market e responder às necessidades e capacidades que estas áreas nos vão exigindo.

Hoje, trabalhamos claramente numa infraestrutura híbrida: temos dois data centers locais, trabalhamos com três hyperscalers – os mais conhecidos – e temos ainda quatro ou cinco plataformas em modelos SaaS, que podemos considerá-las também cloud, mas com um conceito mais de serviço, acabando por serem também plataformas que temos de integrar e gerir.

Quais são os principais desafios enfrentados na implementação desta estratégia?

Destacaria quatro desafios. O know-how, porque estas clouds acabam por ter alguma complexidade de gestão, não só técnica, mas de comercial que também é importante e o conhecimento nestas múltiplas clouds traz alguma complexidade.

Destacaria também a componente de segurança, porque gerir e criar uma política transversal de segurança nestes ecossistemas torna-se um desafio, porque todas elas trabalham e se comportam de maneiras diferentes.

A integração entre as plataformas cloud, nem todas são compatíveis. O modelo de uma hypercloud A não é igual à da B e, portanto, a integração entre elas é completamente diferente.

Não podemos deixar de falar da gestão da capacidade, no que se refere a tomar uma decisão de onde colocar o workload ou a infraestrutura. Porquê a cloud A versus a cloud B? É, claramente, um desafio porque vai trazer compromissos a longo prazo.
 


“Não podemos descurar a parte da comunicação de forma a garantir, ao longo do tempo, comunicações seguras entre todos os ecossistemas. Nós temos feito um trabalho gigante nesta área para garantir que a movimentação da informação seja cada vez mais restrita e segura entre todos estes ambientes”



Que benefícios específicos observam desde a implementação de uma abordagem de cloud híbrida e multicloud?

Há benefícios claramente já muito falados, um deles é a escalabilidade e a disponibilidade dos ambientes em cloud e, claramente, é uma vantagem grande ligada ao time-to-market; há uma necessidade emergente de querer uma infraestrutura e conseguir com ela aumentar ou diminuir essa infraestrutura.

Por outro lado, a redução do risco, uma vez que vamos pondo as infraestruturas em vários ecossistemas, embora tenha um lado bom e um lado mau, criando uma maior resiliência na minha infraestrutura.

Destacaria também a otimização de custos, embora também com os seus desafios, uma vez que consigo decidir com base no custo que a plataforma poderá ter, posso iniciar uma infraestrutura na cloud e terminar com uma infraestrutura on-premises, gerindo o ciclo de vida dessa infraestrutura ao longo do tempo. Com isso, é possível gerir o meu budget, os custos e, desta forma, gerir as necessidades.

A soberania dos dados é um tema que não podemos descurar. Num conceito híbrido ou multicloud, também posso, dependendo dos dados e da acessibilidade da informação, decidir onde o colocar, se estou ou não mais à vontade, ou se aquele dado é mais reservado, e, assim, posso tentar fazer a colocação dessa informação mediante essa componente.

Como é que esta abordagem impacta a flexibilidade e escalabilidade das operações?

Enquadrando isto no nosso contexto, o Benfica, no final do dia, é uma organização que realiza eventos – desportivos, corporativos e musicais também – e é uma estrutura que está preparada para impactos e para picos de infraestrutura. Temos, em determinados momentos, um impacto muito grande na infraestrutura, e depois podemos até ter dois dias em que as coisas voltam ao normal e depois voltamos a ter um pico. Os picos, muitas vezes, são originados por um evento, uma notícia, uma renovação ou até mesmo da bilhética e, por isso, estamos dependentes desta dinâmica.

As nossas infraestruturas, hoje, fazem autoscaling dinamicamente, sendo que há uns anos ainda era tudo de forma manual. Consoante os picos e eventos, a infraestrutura vai aumentando e diminuindo, trazendo, claramente, ganhos operacionais. Não temos de estar preocupados a perceber se a infraestrutura está ou não a responder. Automaticamente, a cloud – ou as multiclouds – vão nos dando essa capacidade e flexibilidade.

Paulo Martins (à direita) foi entrevistado ao vivo durante a terceira edição da IT Insight TALKS dedicada a cloud híbrida e multicloud

Como garantem a interoperabilidade entre os sistemas on-premises e as diversas cloud?

Temos três grandes bases e uma componente muito de autenticação. Para nós, tudo o que são serviços em cloud têm de estar debaixo do mesmo identity provider, de uma plataforma de autentificação comum a todas elas. Esta é a chave para garantirmos os acessos e controlar uma série de informação. Depois, a integração entre essas clouds e, diria que trabalhamos em três grandes pontos, um deles é a transformação dos dados – middleware, as API, os gateways – para a utilização da informação ou até de plataformas como kubernetes para a movimentação de workloads. Este é, claramente, o desafio de quem trabalha em multicloud: ter as plataformas cada vez mais preparadas.

Não podemos descurar a parte da comunicação de forma a garantir, ao longo do tempo, comunicações seguras entre todos os ecossistemas. Nós temos feito um trabalho gigante nesta área para garantir que a movimentação da informação seja cada vez mais restrita e segura entre todos estes ambientes. Temos de saber gerir bem esta componente.

No contexto de cloud híbrida e multicloud, que métricas de desempenho são mais críticas para o Sport Lisboa e Benfica?

Falando do Benfica ou de outra organização, a métrica acaba por estar muito ligada com a estratégia quando tentamos adotar um modelo em cloud. Tento implementar uma solução, uma plataforma em cloud e com ela tenho sempre duas perspetivas: uma do custo e uma tecnológica, da capacidade ou de disponibilidade que possa ter.

Olhando mais para a componente técnica, a latência da comunicação e o tipo de plataforma que estamos a pôr e onde são pontos muito importantes para nós. Existem plataformas onde a latência não tem qualquer tipo de compromisso. Por exemplo, uma plataforma de email, que foi uma das primeiras há uns anos a transformar-se num serviço de cloud: se enviar um email e a outra pessoa só receber cinco minutos depois é indiferente, por isso a latência não tem qualquer tipo de compromisso aqui.

No entanto, existem outro tipo de serviços que não são tão lineares. Não podemos esquecer que as plataformas em cloud é a infraestrutura de data center de alguém, num país qualquer. A latência para nós é um KPI muito importante, bem como a disponibilidade. A disponibilidade porque apesar de a cloud já ter um SLA grande de disponibilidade, não podemos assumir que não possam ter problemas de disponibilidade e nós temos eventos. Voltando ao tema dos eventos, mesmo que seja um jogo da Champions que começa às 21h00, os sistemas têm de estar todos a funcionar às 21h00 e não às 21h30. Os compromissos que nós temos e as penalidades que temos por não cumprir essas obrigações são gigantes e a disponibilidade para nós é um KPI muito importante quando pensamos em todas as coisas.
 


“A mensagem que hoje dou às equipas é que, para entrar uma nova tecnologia, tem de sair uma ou duas. Tem de haver um caminho de simplificação e aceitar de alguma maneira o lock-in”



Há algum projeto específico que beneficiou da estratégia de cloud híbrida e multicloud? Quais é que foram os resultados observados?

Nós lançámos há pouco tempo uma nova app que está assente neste conceito. A app funciona em cima de dois hyperscalers e em on-prem. Temos uma infraestrutura partilhada em três grandes locais. Temos tido um sucesso fantástico e acho que a adesão que temos tido e a estabilidade que ganhámos na operação tem-se verificado nos últimos meses. É uma app que lançámos há muito pouco tempo. Nós queremos centralizar toda a ligação que fazemos com os nossos sócios, os nossos adeptos, os nossos fãs, com a app.

Esta aplicação tem tudo, desde o bilhete para evento, compras no bar, para saber as notícias, para fazer fan engagement; toda esta componente está assente na app e, claramente, já nasceu num conceito híbrido, num conceito multicloud e tem tido bons resultados. Acho que estamos todos muito satisfeitos com o resultado. Há muito caminho para percorrer, mas acho que é um bom exemplo de uma plataforma que nasceu já num conceito híbrido.

Quais são os conselhos que deixa para outros CIO, CTO e diretores de IT?

Os conselhos são sempre complexos. Quem tem de tomar uma decisão do caminho a seguir, tem de olhar para o seu footprint tecnológico. Cada empresa terá o seu desafio, cada empresa terá a sua complexidade tecnológica. Com isso tem de perceber o caminho a seguir. Uma startup terá os seus desafios, uma PME terá outros, uma multinacional outros. Com esse enquadramento tem de se pôr em perspetiva a implementação de uma estratégia multicloud. Isto é como os treinadores, cada um tem a sua equipa, as suas condições e com elas vai ter de tomar decisões.

Por outro lado, chamo a atenção para algo que temos vindo a adotar há pouco tempo – que foi um erro de há muitos anos para cá: sempre fomos adotando as melhores plataformas do mercado e isto traz uma complexidade grande. Hoje, a simplificação devia ser um ponto importante. Mais vale cedermos na plataforma e termos um compromisso para simplificar. A mensagem que hoje dou às equipas é que, para entrar uma nova tecnologia, tem de sair uma ou duas. Tem de haver um caminho de simplificação e aceitar de alguma maneira o lock-in. O lock-in é quando eu decido ir para uma cloud e sei que vou lá ficar, sendo que a transição dessas clouds não são fáceis, até porque os modelos são complexos.

Isso traz outro desafio, e essa é uma das minhas recomendações para quem já está a trabalhar num conceito híbrido de multicloud – se já não está toda a gente, porque acho que isso é um footprint normal em qualquer organização hoje, seja qual for a dimensão, já tem um footprint pelos menos numa cloud –, mas tempos de antecipar a transição e começar a montar arquiteturas que funcional neste conceito de multicloud. Na teoria, movimentar workloads parece fácil, mas na prática não é assim tão fácil. A antecipação da renovação e dos modelos, em que podemos fazer o deploy dos sistemas nestas infraestruturas, tem de ser pensado. Se não for pensado o lock-in ainda vai ser maior e, portanto, os benefícios que acabei de referir, desde a otimização de custos, a movimentação e aumento de capacidade, acabam por se perder. As coisas têm de ser pensadas para estarem enquadradas neste conceito.

Antes era fácil, antes tínhamos uma infraestrutura e um data center, e, portanto, acabávamos por pôr tudo nessa infraestrutura. Hoje, quando temos este ecossistema, temos de pensar que temos de montar as plataformas para trabalharem neste conceito e poderem movimentar entre estes hyperscalers.

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