"A latência é o que de mais disruptivo o 5G nos traz"

O 5G representa uma oportunidade para as operadoras de telecomunicações, mas não é isento de desafios. João Nascimento, CTO da Vodafone Portugal, explica-nos o que significará para o negócio da operadora

"A latência é o que de mais disruptivo o 5G nos traz"

IT Insight - O que representa o 5G para a Vodafone Portugal?

João Nascimento – O 5G tem duas componentes: a tecnologia e o que diz respeito ao que é possível fazer com ela. O 5G será bastante interessante porque trará funcionalidades que ao dia de hoje não temos. No entanto, o nosso 4G+ (ou 4,5G), da Vodafone Portugal, já permite implementar uma miríade de serviços. No fundo é a nossa base de partida, onde ainda há muito por explorar. O que o 5G traz é maior escala. Com o 5G chegarão mais dispositivos, maior velocidade e menor latência. Hoje já podemos ter muitos dispositivos, grandes velocidades e latências baixas. Não temos é nada disto amplificado – algo que o 5G permitirá.

Recentemente lançámos o 5G Hub, com uma demonstração de um automóvel guiado remotamente por uma outra pessoa com recurso ao 4G +. Só não conseguimos que o carro andasse mais depressa, porque a latência ainda é de 40/50 milissegundos e são necessárias latências na ordem dos 10 milissegundos. Entendemos que a rede 4G+ é um ponto de partida. Acredito que muito dos uses cases possíveis ainda não apareceram.

Quando demonstrámos o carro conduzido remotamente, houve três clientes empresariais que em meia hora partilharam três ideias fabulosas. Um deles era uma empresa de rent a car, a quem a possibilidade de conduzir remotamente permitiria recolher os carros depois de os clientes os deixarem no centro da cidade. Estando a tecnologia disponível, os use cases acabam por acontecer de forma natural. Para um operador de telecomunicações, o 5G exige grande esforço.
 

É uma evolução natural ou será disruptivo?

É uma questão evolutiva. A Vodafone é o único operador em Portugal que tem 4,5G. Porque esta tecnologia é uma antecâmara para o 5G. O que vai acontecer é que as redes vão incorporar módulos que possibilitam uma transição mais suave. O 4,5G implica ter disponível uma tecnologia que apelidamos de "MIMO", em particular o "Massive Mimo", para o qual teremos de utilizar um espectro, o TDD, que apenas a Vodafone Portugal tem. São módulos que vamos adicionando à rede e que, posteriormente, nos permitem dar este salto de uma forma muito mais simples.

Quando incorporamos um outro módulo, que já estamos a testar, de baixa latência, ficaremos muito perto do que é uma rede 5G. Por isso dizemos que estamos cada vez mais "5G ready". A nossa rede rádio está a ser evoluída em termos de software e hardware para que haja uma transição fácil para o 5G.

 

"A Vodafone é o único operador em portugal que tem 4,5G. Porque esta tecnologia é uma antecâmara para o 5G"
 


Em junho de 2020 estarão em condições de disponibilizar 5G?

Há dois fatores importantes. O primeiro é o do espectro. A ANACOM terá de licenciar o espectro em que podemos operar. O 5G vem com três grandes faixas: de 700 MHz, de 3,5 GHz e de 26 GHz. A primeira está ocupada pela TDT. O 3,5 GHz seria a faixa de espectro em que teríamos de começar a operar. A data de 2020 seria um timing justo para podermos começar a ter espectro. Defendemos que se faça o leilão das faixas de 700 MHz e 3,5GHz em conjunto, não por fases. A nós dá-nos mais previsibilidade em termos de arranque de toda a rede 5G. Ter o 3,5 GHz sem saber quando teremos o 700 MHz não é interessante, porque nós, operadores, temos de ser eficientes a implementar estas redes.

Outro fator são os terminais. Podemos ter uma rede fantástica, mas se não tivermos terminais de pouco serve. A este nível, começa a haver uma convergência para que em 2020 comecem a aparecer. Primeiro seriam os dispositivos de Mobile Broad Band (MBB), mas por essa data já devem surgir alguns smartphones. No fundo como aconteceu com o 4G. O 5G coloca desafios ao nível de cobertura.
 

Para haver menos latência tem de haver mais proximidade, o que também tem impacto em termos de investimento do lado do operador...

Sim e foi por isso que interpelámos o regulador no sentido de solicitar um preço justo pelo espectro, porque temos de ter capacidade para investir na rede. Quanto menos gastarmos com o espectro, mais investiremos na rede. Em termos de malha, não estamos a prever ter que reforçá-la, nesta fase. Porque a tecnologia de rádio evolui – embora o 5G opere numa frequência mais alta, a tecnologia subjacente é mais forte, mais direcionada. Dá-nos a possibilidade de ter performances muito compatíveis com as bandas que já utilizamos no 4G.

Por outro lado, as redes móveis funcionam sempre com bandas altas e bandas baixas. As mais altas para maior capacidade e velocidade; as baixas para penetrar mais em termos de indoor. Como no 5G está previsto utilizarmos o 700 MHz, ainda esticamos mais a malha de indoor. As duas gerações funcionam em conjunção uma com a outra: uma dará profundidade e a outra capacidade. Assim como agora estamos a tirar espectro do 3G para o 4G, para ter maior capacidade, se calhar em 2025 estamos a retirar todo o espectro de 4G para dar ao 5G, quando a proporção de terminais 4G e 5G assim o permitir. A lógica é ter cada vez mais espectro que seja agnóstico do ponto de vista tecnológico e avançar para aquele em que a tecnologia seja mais eficiente, neste caso o 5G.
 

A Vodafone foi a última operadora a chegar ao “quadruple play”, nosso mercado O 5G pode ser uma oportunidade de “mudar o jogo”?

A Vodafone liderou o 3G, lideramos 4G e vamos liderar o 5G. Não haverá uma grande mudança em termos de posicionamento. Claramente, temos uma boa oportunidade para, mais uma vez, trazer novas tecnologias que os nossos clientes possam aproveitar, sabendo que lideramos em termos de perceção de qualidade e níveis de satisfação bastante
interessantes que, no meio disto tudo, continua a ser o que é fundamental neste “jogo”.
 

O 5G permite a criação de redes privadas. Como veem esta possibilidade?

Por um lado, acho interessante porque permite filtrar um pouco as tecnologias que podem ser utilizadas em ambientes privados. Se toda a indústria se canalizar para o 5G, há um fator de escala muito grande que permite disponibilizar tecnologia a um preço mais baixo. Sob o ponto de vista meramente tecnológico é interessante.

Mas há um segundo aspeto, que diz respeito à complexidade da tecnologia. Não me parece que as empresas vão despender recursos para a afinação da tecnologia. Por último, se temos um ambiente de fábrica onde existe uma licença 5G – só para esse espaço – , essa licença teria de ser destinada a frequências super altas para não interferirem com o espectro regulado. Portanto, teria de ser muitíssimo contido. Não estarão os operadores, em termos de eficiência, mais capacitados para fazer o uso do espectro? Os operadores têm uma capacidade de eficiência superior do ponto de vista da utilização do espectro e terão um papel preponderante no que diz respeito a acrescentar valor. O 5G privado, conceptualmente, pode ser uma discussão interessante. Mas creio que convergirá para que sejam os operadores a entregar a rede.
 

Não é um aspeto que vos preocupe, portanto?

Não para já. E como creio que estará sempre indexado às frequências muito altas, dos 26 GHz para cima, acho que não será para amanhã. Quando disponibilizamos aos nossos clientes empresariais soluções, estas soluções são passíveis de implementar de A a Z. Não é só a tecnologia rádio que faz a diferença, é tudo o resto que tem de ser integrado para que seja possível ter uma solução completa.
 

Como é que o 5G vai mudar o modelo de negócio das operadoras de telecomunicações?

Teremos de apostar cada vez mais em verticais. Neste ponto vai mudar. Na indústria automóvel, por exemplo, começamos a ser parceiros dos grandes fabricantes. E não se trata de uma parceria de conetividade, apenas. É uma parceria no sentido de criar a melhor solução. No fundo, teremos de procurar perceber o que podemos oferecer, integrando as soluções. Isso implica que tenhamos de conhecer melhor cada indústria, algo que há 20 anos ninguém equacionava. Tem de haver essa abertura para começarmos a ser parceiros dos nossos clientes.
 

Acredita que os restantes operadores de telecomunicações têm o mesmo interesse em relação aos timings do 5G?

O que é importante ao dia de hoje é que todos nós testemos e validemos os conceitos tecnológicos. Acredito que tanto a Altice como a NOS estão nesta fase igualmente preocupadas em “pôr a mão” na tecnologia, perceber o potencial, as dificuldades que ainda hoje existem e em como vamos potenciá-lo no futuro. Se eu vejo que estão todos “a correr”? Creio que não. Houve investimentos fortes que foram feitos no 4G dos quais ainda temos de retirar valor. Do ponto de vista tecnológico, é interessante começarmos todos a trabalhar em termos de indústria. Quanto a chegar ao mercado, creio que haverá tempo. Não será algo por decreto, não terá uma data marcada. Acontecerá quando houver maturidade em termos de dispositivos ou quando houver um crescimento tão elevado de dados ao ponto de ser necessária uma tecnologia mais eficiente para os transportar.
 

A que distância estamos dessa realidade, no seu entender?

Quando esperam oportunidades de negócio reais? Por volta de 2020, 2021 e 2022. Nos próximos anos estaremos a testar os use cases em cima destas novas tecnologias. Estou muito curioso para que alguém traga para o nosso 5G Hub um use case com latências de 5 milissegundos. A latência é o que de mais disruptivo o 5G nos traz. Em termos de narrow-band IoT, já conseguimos ligar milhões de dispositivos. Em termos de velocidade, ainda temos a capacidade da rede 4,5G – que entrega até 1Gb por segundo. Em termos de capacidade, ainda há muita coisa que podemos fazer no 4G.

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