A APDC reuniu no passado dia 16 de janeiro representantes de empresas de referência para debater o percurso e os percalços da transição para um modelo económico circular no seu evento "Powering the Circular Economy of the Future"
É cada vez mais claro que o atual modelo linear de consumo é insustentável. De acordo com a Global Footprint Network, a humanidade consome anualmente 70% mais recursos do que a Terra tem capacidade de regenerar, e prevê-se que, em 2025, dois terços da população mundial sofra de escassez de água. Um ambiente com recursos limitados virá também a ter um impacto direto nas empresas, independentemente do setor – desde o aumento de preço da energia e das matérias primas até às subsequentes repercussões em toda a cadeia de valor. A escassez de talento tem vindo, também, a agravar esta pressão, com os profissionais a valorizarem cada vez mais os valores éticos e responsabilidade social dos potenciais empregadores. E em empresas com uma forte componente tecnológica, isto vir-se-á a sentir cada vez mais nos próximos anos. Para garantir o futuro das próximas gerações sem deixar de responder às necessidades da economia global, é necessário minimizar ao máximo o desperdício de forma a manter a atual atividade com um consumo reduzido dos recursos naturais. Isto passa pela adoção de um modelo económico circular, caraterizado pela reutilização e extensão da vida dos equipamentos, minimização do input de recursos não-renováveis e reaproveitamento dos resíduos. A longo prazo, isto só é conseguido se convertermos a realidade atual do “take, make, dispose” por um modelo de consumo sustentável em todas as áreas, seja a nível dos processos de produção, aquisição e uso de equipamentos ou do consumo de energia. Com isto em mente, a APDC, em parceria com a Schneider Electric, incluiu no seu ciclo “Powering the Digital Economy” um executive breakfast dedicado à economia circular, contando com a presença de Raquel Espada Martin, VP Energy & Sustainability Services EMEAS, Schneider Electric, e de um painel de representantes da Galp Energia, Veolia, do grupo Sonae e da Academia de Engenharia. “Isto é uma oportunidade de negócio”, garante Raquel Espada Martin. "O sistema vai ter de mudar – temos de passar de um modelo linear para um modelo circular. E isto vai trazer consigo uma série de vantagens, e as empresas que se conseguirem adaptar primeiro a este modelo de negócio são as empresas que vão sobreviver, são as empresas que vão ter sucesso a longo prazo.” Todo este conceito está longe de ser futurologia: várias empresas de referência já se comprometeram para com os princípios da economia circular. A Nike, por exemplo, fabrica mais de 70% dos seus produtos a partir de materiais reciclados. A Michelin, para além da reciclagem e prolongamento do ciclo de vida dos seus pneus, começou a implementar materiais renováveis no seu ciclo de produção, como borracha natural e etanol proveniente de biomassa, e um modelo de fornecimento de pneus as-a-Service. No entanto, a economia circular vai muito além da simples reciclagem e deve ser abordada de forma holística, tendo em consideração todos os processos da empresa e o impacto que estes têm – seja diretamente, em relação aos recursos consumidos e destino dado aos resíduos, ou indiretamente, no que toca às atividades económicas de que estes dependem. “É uma mudança de paradigma e de mentalidade. E é uma mudança que, graças à tecnologia de que hoje em dia dispomos, já pode ser implementada,” garante Raquel Martin. Na manufatura, exemplifica, a economia circular tem de começar no design do produto, incluindo todos os materiais e processos envolvidos na sua produção e o destino dado aos seus subprodutos, mas passando também pelo modelo sob o qual este vai ser comercializado. A adoção do as-a-Service, defende, tem então um papel crucial na economia circular, permitindo o aproveitamento máximo de cada ativo. Outra componente de extrema importância é a desmaterialização, como relata Pedro Lago, Diretor de Sustentabilidade / Economia Circular da Sonae, que concluiu recentemente a implementação da fatura eletrónica para as caixas Modelo/Continente, à qual em poucos dias aderiram mais de 40 mil clientes. Se todos os clientes aderissem, garante, poupavam-se 4 mil árvores por ano. Este caso vem também a ilustrar a crescente relevância das iniciativas de sustentabilidade para o consumidor, já frisada por Raquel Espada Martin: “É óbvio que as empresas não estão aqui para ajudar o meio ambiente. Todos temos contas a prestar e resultados a alcançar. E a sustentabilidade pode ser uma oportunidade de negócios”, garante. “Não é apenas uma questão de o que temos de fazer como empresa, mas também de novas ofertas para os consumidores”. Hoje em dia, conclui, a sustentabilidade pode ser um ativo.
O principal obstáculo está na equação socioeconómicaParadoxalmente, já estivemos muito mais perto da economia circular há duas gerações. Nada se desperdiçava porque não havia possibilidade de constantemente substituir bens essenciais– e, como tal, lá diz o lugar-comum que as coisas eram construídas para durar, com muito menor uso de recursos e geração de resíduos. Hoje em dia comprar algo de novo fica em muitos casos mais barato do que mandá-lo reparar, ou pelo menos a diferença não justifica a inconveniência. Semelhantemente, para uma empresa, compensa mais produzir bens pouco duradouros, usar recursos não renováveis e não fazer (nem possibilitar) o reaproveitamento dos resíduos. Em suma, não existem de momento os mecanismos económicos necessários para implementar os processos inerentes à economia circular. Apesar de todos nós – pessoas e empresas – representarmos um papel na transição para a economia circular, o verdadeiro eixo da mudança está nos governos. Foi este o maior ponto de consenso do painel: mais ninguém tem o poder de influenciar a equação económica de forma suficientemente abrangente, significativa e transversal. Hugo Pereira, Head of New Energies Division da Galp Energia, defende medidas como as que são tomadas nos combustíveis, “onde se criou uma obrigação às empresas, cujo cumprimento levou à criação de um mercado livre e competitivo”. “É preciso fazer pressão nos sítios certos,” concorda Fernando Santana, presidente da Academia de Engenharia. A legislação constitui, também, um grande entrave à economia circular, acrescenta o engenheiro, em particular no que toca ao reaproveitamento dos resíduos, que só podem ser processados por entidades dedicadas e certificadas para o efeito. Isto vem quebrar a fluidez e a limitar a viabilidade económica do reaproveitamento de materiais – é necessário definir legalmente os resíduos como um tipo de subproduto de forma a que possa ocorrer circulação livre de recursos entre as empresas. E este é apenas um dos muitos ajustes legislativos a fazer: existe de facto um mapa de sustentabilidade português, mas não foi feito até agora nenhum tipo de transposição sistemática dos objetivos estabelecidos para a legislação. Há ainda um grande caminho a percorrer no sentido de viabilizar uma verdadeira economia circular em Portugal. |